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O que aprendi com os americanos

É interessante como construímos sonhos em nossas vidas, lutamos por eles, buscamos realizá-los, mas, no fim das contas, não sabemos explicar com precisão de onde eles vêm ou como surgem. Essa é a minha história com Os Estados Unidos da América. Desde os doze anos de idade, se bem me recordo, tenho o sonho de conhecer esse país. Treze anos depois, lá estou eu no aeroporto de Atlanta, no estado da Geórgia, passando pela tensa entrevista com o policial de imigração e, posteriormente, sobrevivendo a doze horas de atraso do meu voo, no meu primeiro dia na tão famigerada América.   
Wisconsin foi, então, o estado que me recebeu de braços abertos nos Estados Unidos. Um estado muito conhecido por... não ter nada! Apenas fazendas, florestas, vento frio e um estranho costume de jantar bebendo leite. Mas foi lá, nesse lugar inusitado, que eu jamais acreditaria que existisse nos states, que tive o meu primeiro choque de realidade com o povo americano. Quando aquela senhora, que seria a minha mãe emprestada por três meses, proferiu aquelas palavras dentro do carro, percebi que já não estava mais no meu país tropical. Com a maior naturalidade, e crendo que aquilo era cotidiano também em minha vida, ela disse: "O dia hoje está lindo, não é, Gabriel?". E continuou descrevendo a beleza do dia, apontando para o brilho do sol, o verde das árvores e achando motivos, dos mais variados possíveis, para defender a sua tese incontestável de que a vida é uma dádiva e que nós sempre temos razões para se alegrar. Aquelas palavras simples tiveram um efeito na minha psique que eu jamais pensei que fosse possível. Naquele mesmo instante, me recordei de todas as minhas experiências em meu país natal, e reconheci que nunca havia ouvido tais palavras em um dia de semana normal de trabalho. Logo, aprendi a importância da gratidão
Aquilo que para mim seria apenas um fato isolado, logo se apressou em repetir-se em inúmeros exemplos, com crianças, jovens, adultos e idosos. Todos eles tinham o incrível poder de ver o lado bom das coisas, apoiar os outros em suas decisões e ações e, muito raramente, reprimir seus atos e opiniões. É um ambiente que impulsiona, que coloca as pessoas para cima, que motiva, encoraja, por menor que sejam as chances de sucesso de tal empreendimento, eles, em conjunto, escolhem sempre enxergar as situações como possíveis e prováveis de serem alcançadas, ao invés de serem tomadas pelo automático e fácil pessimismo. Em minhas andanças pelo país, posso afirmar que - e desde já peço perdão pelas comparações entre os países - o americano mais pessimista é muito mais otimista que o brasileiro mais otimista. Eles não apenas escolhem ver as coisas pelo lado bom, como se estivessem jogando o Jogo do Contente, do livro Poliana, mas, de fato, colhem os frutos do ato de acreditar em seus planos e de se cercarem de exemplos que deram certo. É como uma filosofia de vida altamente disseminada entre eles, na qual não provém apenas da vasta literatura de desenvolvimento pessoal - os livros de auto-ajuda, como ironicamente alcunhamos aqui no Brasil -, mas, mais precisamente, da educação familiar, extremamente baseada em confiança, escolha de palavras positivas, rejeição de palavras negativas e desmedidos elogios - às vezes até imerecidos. Àquela altura, introjetei o otimismo como parte fundamental do meu novo eu.   
Parafraseando o filósofo a quem nutro formidável respeito - Olavo de Carvalho -, posso dizer que os americanos elogiam as pessoas a seu redor ao menor indício de algo bem feito. E, para isso, se utilizam dos maiores elogios possíveis, como "awesome", "wonderful", "amazing", "excellent". Eles não poupam e não se intimidam ao elogiar, porque entendem perfeitamente a psicologia do elogio. Enquanto que, no Brasil, um sujeito pode ser o melhor em sua área, um gênio, uma personalidade de grande destaque e sofrer ainda ataques à sua vida pessoal, ao seu modo de se vestir ou falar, dentre outras mesquinharias. Por aqui, as pessoas merecem a crítica gratuita mesmo quando fazem algo digno de aplausos. Mais ao norte, o inverso se aplica totalmente. Por aqui, aprendi a importância do elogio.
Para provar os pontos acima mencionados, relembro as principais perguntas que os meus amigos e familiares brasileiros me faziam constantemente enquanto eu morava lá fora. Eles questionavam se, por eu ser assim e assado, se eu sofria algum tipo de preconceito. Do mesmo modo me indagavam se, por meu inglês não ser lá essas coisas, se eles me tratavam de modo diferente ou se zombavam de mim de alguma maneira. Me perguntavam, também, quais os tipos de comentários que os americanos faziam sobre os brasileiros - obviamente esperando algo negativo com essas perguntas. O engraçado é que todos eles - assim entendi à época - se desapontaram com as minhas respostas. Lhes disse que eu nunca fora tão bem tratado em toda a minha vida, que nunca houvera sofrido qualquer tipo de preconceito, seja pela cor, pela nacionalidade ou pelo inglês com sotaque de latino. Aqui evidencio uma situação muito comum a todos nós: a influência que deixamos o senso comum exercer sobre a nossa pessoa. Talvez seja mesmo o momento de revermos as nossas fontes. De vermos as coisas através de outros ângulos. Como pode se tratar de um país preconceituoso se, em seu próprio aeroporto, dispõe de intérpretes para mais de dez línguas diferentes? Como é possível serem xenófobos se, em um único bairro, você encontra americanos, mexicanos, salvadorenhos, brasileiros, japoneses, coreanos, italianos, alemães, argentinos, sul-africanos, indianos, ingleses, etc? É até mesmo possível, em alguns casos, encontrar escolas e bairros inteiros sem um único americano. Em muitas casas era possível ver um letreiro, dizendo em três línguas diferentes (inglês, espanhol e árabe): "vizinho, não importa de onde você é. Você é muito bem vindo aqui!". 
Podemos nos apegar, entretanto, a alguns estereótipos que conhecemos sobre o povo americano. O que diz respeito à comida - mais especificamente o fast food - e o que versa sobre o dinheiro. Sim, é verdade que não existe riqueza gastronômica propriamente americana, mas apenas a mistura e a aceitação das gastronomias estrangeiras, o que, de certo modo, ajuda a variar nas possibilidades de acesso à comida. E, além disso, é fácil perceber que o fast food é algo muito natural, é almoço e jantar de muitos americanos, quase todos os dias - às vezes pelo pouco tempo de descanso do trabalho, pela rendição à comida rápida e fácil, ou até mesmo por ser barato e ter em todo canto. Sobre o dinheiro, os americanos possuem, desde cedo, uma forte educação financeira. Crianças americanas podem falar melhor sobre investimentos do que muitos de nós. Americanos de dezesseis anos abrem negócios rentáveis e são abraçados pela sociedade em volta deles. Os Yankees - como diz um primo meu - vivem para o trabalho e a família. São rigorosos com horário. Dormem cedo. Acordam cedo. Planejam o dia seguinte e às vezes os cinco meses seguintes. Até mesmo os ricos fazem economias de centavos. Tudo para eles tem que ser "cheap", senão não vale a pena. Estão sempre em busca de um "good deal", de uma famosa promoção. O atraso no trabalho é um insulto ao americano. Planejamento e pontualidade foram as lições aprendidas por aqui.
Nesses dois anos em que estive morando nos Estados Unidos, eu nunca vi um pai, ou uma mãe, dar uma bronca em um filho, em voz alta e em público. Eles resolvem tudo no diálogo com as suas crias. Explicam, explicam de novo, floreiam, desenham, mas não batem e raramente perdem a paciência. Aquela pirraça infantil que nós facilmente nos irritaríamos, o americano consegue suportar por horas. Eles raramente irão dizer ao filho: "não faça isso, está errado! Por que você fez isso? Você está doido? Você quer apanhar?". Muito pelo contrário. Eles apelarão ao diálogo e à forma sutil de sugestão, como: "talvez se você fizer assim, as coisas possam melhorar; faça desse jeito, porque é mais legal". Além disso, presenciei famílias que proibiam os filhos de usar algumas palavras negativas, como por exemplo a palavra odiar. Os meninos eram cortados no ato quando diziam "odiar futebol" ou qualquer outra coisa. Em substituição, os pais lhe ensinavam a dizer que preferiam outra coisa. "Você não odeia futebol, você prefere beisebol, filho". Eles entendem que a palavra, além de ter poder - como mencionado na própria bíblia -, é carregada de emoções e sentimentos, e não à toa escolhemos uma em detrimento de outras, mas exatamente pelo mesmo motivo de que pretendemos transmitir tal e qual sentimento. Impressionante como parece haver, dentro das famílias americanas, todo o entendimento sobre a psicologia das palavras, coisa que, no meu caso, e, acredito, no de muitos brasileiros, só é possível obter através de livros, como dos mestres do desenvolvimento pessoal, Tony Robbins e Napoleon Hill - autores que este humilde escritor de blog tanto admira. Aprendi, definitivamente, que a palavra tem poder.  
Os Estados Unidos são considerados um dos países mais individualistas do mundo e isso se evidencia na forma como as pessoas creem em si mesmas, buscam seus objetivos, rejeitam as desculpas esfarrapadas, se esforçam para alcançar os seus objetivos e, quando necessário, também assumem os seus erros. Há um quê de solidão, de enclausuramento, em certa medida, na vida americana, porém, esses fatores podem ser positivamente considerados, se pensarmos que cada um tem respeito e zelo pelo que é seu e que não toleram invasões em seu espaço privado, a exemplo de som alto na vizinhança e carros acima da velocidade na rua. 
Um povo educado, hospitaleiro na medida exata e justamente impaciente com os desrespeitos às normas locais, que eles tanto se orgulham em seguir. São tão bons que, em certa medida, beiram a ingenuidade. São ruins de geografia, de fato. Sabem pouco sobre o que não é a América. Entretanto, se interessam genuinamente pelo que não sabem, ou por outras culturas. E aqui está mais um aprendizado: os americanos sabem ouvir. Ele não te interromperá enquanto você estiver se explicando, contando suas histórias, falando do seu país, ou de qualquer outra coisa. Eles de fato ouvem o que as pessoas falam e não falam por cima. Não há uma disputa para ver quem já passou por tal ou qual situação. Atentamente te escutam e, a todo instante, sorrindo, dizem: "awesome, that's amazing!". Ou seja, sempre dizem que o que você está contando é maravilhoso, sensacional. 
Em resumo, é possível dizer que o povo americano respeita o estrangeiro, se interessa pelo que este tem a dizer, o ajuda, o incentiva e o introduz, de maneira bastante natural e respeitosa, ao seu modo de viver. E não é legal fazer brincadeiras nas quais se rebaixa outras pessoas, principalmente entre crianças. O americano sente muito mais a dor de uma palavra negativa dita contra ele do que de um golpe físico propriamente dito. É o entendimento de que a palavra lançada não volta atrás, mas que a pancada sara e não deixa nenhum resíduo emocional. 
Conhecedor de que a experiência pessoal de cada um é a sua mestra na maneira de concluir algo sobre um povo ou um lugar, sei que as minhas observações não são por si só verdades absolutas, mas resultado de vivências e interações das quais participei enquanto vivi com eles.  Sendo assim, é possível encontrarmos, principalmente na internet, relatos de pessoas que odiaram viver nos Estados Unidos, que encontraram muito mais pontos negativos que positivos e que, definitivamente, não aprenderam nada com a experiência. A mim me parece que, assim como uma tatuagem gigante que toma todo o corpo, essa vivência já está marcada em meu interior de maneira permanente e transformadora, na qual já não é mais possível ver o mundo sem fazer comparações entre os povos, para, então, de forma equilibrada, reter o que é bom e engrandecedor. 


Comentários

Anônimo disse…
Belíssimo relato. Experiências são a maneira pela qual aprendemos. Não importa muito tudo que foi dito ou escrito, quando se vive. Eu sou dos maiores preconceituosos com a cultura yankee, puro preconceito, já que nunca tive a tal experiência. Fico feliz em saber o quão gratificante foi a sua experiência. A cultura deles do elogio e do otimismo é bem interessante, pode der decorrente de anos gloriosos, já que se trata do país das conquistas, onde os sonhos acontecem. Ou essa cultura pode ser anterior e ser justamente a responsável por todo o sucesso deles. Vale a reflexão. Parabéns pelo texto, meu primo quase yankee.

TF
Unknown disse…
Que delícia de texto! Estava me deliciando aqui através da sua experiência. Sem dúvidas foi uma experiência boa, porque senão vc não teria voltado. Saber o tanto de valores que podemos aprender com outras culturas é gratificante. Amei saber da pontualidade como forma de respeito e do elogio que impulsiona a sermos melhores. Preciso conhecer os states. Já me apaixonei!
Obrigada por esse texto maravilhoso. Experiências são sempre bem vindas.
Quéren França.
Emerson disse…
Esplêndido!!!!
Unknown disse…
Me sinto honrada em aprender com teu lindo e sensato relato.
Ao ler cada palavra me emocionei ao saber que Deus colocou ao teu redor anjos para te acolher e te ajudar a ser esse grande ser que és.
Meu menino,ao plantar simpatia e humildade você só colherá reconhecimento e sabedoria.
Que troca de experiência linda!!
Que possamos aprender com teu relato, a humanidade precisa ler isso!
Irei compartilhar esse texto brilhante com a minha equipe no trabalho, na certeza que assim como eu várias pessoas irão aprender um pouco mais.
Te amo!!
Ass: Uma madrinha apaixonada e realizada por te ter.
Anônimo disse…
Perfeito, meu irmão. Perfeito.

RF

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