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O LIMITE DA DESESPERANÇA



Eu não queria escrever esse texto. Eu queria muito voltar a escrever, mas não escrever sobre esse tema. É pura ilusão acreditar que um escritor escolhe o que vai escrever. Quando pensei nesse texto, eu ainda não lembrava que tinha escrito algo mais ou menos semelhante aqui mesmo no blog, há bastante tempo, mais precisamente em 03/01/2009, uma Crônica da Virada 2008/2009. Depois que esse texto se grudou em mim e me exigiu que o escrevesse, eu lembrei a supracitada crônica e a reli. Quase 8 anos depois, eu reconheço que mudei. Não escreveria aquele texto da mesma maneira. Mas o cerne não mudou, nadinha mesmo. O tal do réveillon, palavra inventada pelos franceses, significa e sugere despertar, acordar, reanimar! Quem desperta, via de regra, é o novo ano, basicamente nos obrigando a grafar as datas diariamente com mudança nos seus últimos algarismos. Com mandiga ou sem mandiga, com reza ou sem reza, com oração de poder ou sem oração de poder, teremos em 2018: violência urbana desenfreada, morte por bala perdida, acidentes fatais nas estradas, estradas caindo aos pedaços, mortes nos hospitais por falta de recursos, políticos corruptos se reelegendo, políticos corruptos sendo presos, políticos corruptos sendo rapidamente soltos, políticos corruptos recebendo indulto. É sério: na hora da virada não importa a cor da sua roupa, sua oferenda, seu badulaque religioso, sua superstição, sua oração, sua religião, seu pensamento positivo! Eu passei nos últimos anos por uma transformação mais otimista, decorrente de muitas conquistas e, principalmente, pela formação de uma família. Ter filhos nos torna obrigatoriamente esperançosos quanto a um futuro melhor. Passei a lutar contra meu bom e velho pessimismo, que sempre rotulei de realismo. Busquei em vários lugares fios de esperança de um futuro melhor. Sim, aquele futuro de paz, de amor, de união. Você provavelmente já ouviu falar nele. A minha fé cristã ensina que esse mundo perfeito só existe na vida pós-morte, mas ela também ensina a buscar a perfeição por aqui, ainda que isso seja impossível de alcançar. Para me curar do meu pessimismo, eu comecei a evitar tudo o que o instigava: parei de ver jornal, evitei política ao máximo, sumi das inócuas discussões nas redes sociais e, o pior, parei de refletir/divagar/escrever sobre o futuro. Não deu certo, eu preciso reconhecer.  Não dá para virar uma ilha feliz nesse mundo caótico! A desesperança foi voltando aos poucos, com força, com aquela sensação de impotência que nos detona. Voltei a ver jornal e acompanhar as mídias sociais: voltei a me estressar com a politicagem nacional, com o desdém aos massacres na África e no Oriente Médio, com o jornalismo sempre parcial, com a nossa guerra urbana diária, com a total falta de amor das pessoas, com o uso abusivo e indiscriminado das religiões para manipular as pessoas. Tomei minha droga muito além da sua janela terapêutica e senti o limite da toxicidade ser ultrapassado. Mas eu queria era encontrar o limite da desesperança. Ele existe? Eu acho que não, infelizmente. Sempre tem uma tragédia a mais para nos descompensar. E como viver sem esperança? Ela não é justamente a mola propulsora da vida? Não sei, acho que a maioria das pessoas apenas sobrevivem, como a inolvidável Macabéa de Clarice; se pensassem/refletissem em tudo isso aqui, o melhor seria mesmo o final de estrela, esmagados por um carro sob o céu chuvoso. Para não pirar, busquei amparo no outro significado do réveillon: reanimar! Tornar a ter ânimo, coisa nada fácil. O ânimo retorna com reflexão e atitude. Aquelas pequenas coisas fundamentais: relacionamento familiar, amizade, fé, projetos e sonhos. Com foco, o ânimo vai surgindo, mobilizando, transformando. Talvez, digo talvez, ele seja capaz de frear o trem descontrolado da desesperança. Feliz 2018, eu posso desejar e desejo. Vamos reanimar a esperança de um mundo melhor, de um futuro mais aprazível. Que essa fagulha possa, ao menos, aquecer e empolgar os nossos corações!

Comentários

Anônimo disse…
Olha lá o fio de esperança, ler um texto aqui nesse blog. Fez passar pela minha cabeça anos e anos, fez me lembrar do quanto vc e meus primos nos fazem refletir com a escrita impecável de vcs. Saudades das velhas sensações dos velhos textos e já me preparo para as novas.
Que em 2018 vcs possam retornar a esse blog pra nós fazer um pouco melhores.

Abraços
Nereuq@
Anônimo disse…
Coisa mais difícil nesse mundo é perder as esperanças. Obrigado e parabéns pelo texto, parceiro! Veio em momento mais que oportuno. Abraço.

RF
Gabriel França disse…
Voltamos! Com força total!
Com texto do criador do blog, nossa esperança de voltar a escrever regularmente não pode morrer.
Belo texto, Tiagão. Partilho muito dos seus sentimentos e sei o quanto é difícil trocar esses pensamentos dominantes por algo melhor e mais otimista. Já não penso mais tanto em melhorias em termos gerais, na mudança dos outros, num mundo melhor; mas apenas na minha própria mudança. É algo também difícil, porém mais tangível.

Abraço!

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