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Carta ao meu filho

Não sei onde você estava em 1993, broto, mas imagino que, não obstante estivesse encarnado ou na recorrente condição de insubstância, certamente ouviu falar, em qualquer canto do mundo, que o Leão abocanhou um vice-campeonato nacional com um time porreta e encheu a todos nós de orgulho. A notícia é que hoje, 20 anos depois, embora seja esta uma conta inteiramente insignificante, fechamos em quinto e também estamos insuportáveis, mas não é bem por isso que te escrevo.

Convoco-te antes à leitura porque fui a uma pescaria no fim de semana último. Não crie muitas expectativas, pois, como se sabe, sou um pai carregado de inabilidades e - sei que isso não lhe seria nenhuma surpresa - não peguei nada, nem mesmo alga ou marisco.

O ganho com a aventura foi meramente visual, filho, mas não pude deixar de embarcar no rastro daquelas barbatanas reluzentes, cada uma mais movediça do que as outras, e fiquei a imaginar como teria sido se eu vivesse uma vida de tainha, enfeitiçado pela facilidade e pela proficiência da espécie em se reproduzir, com o pensamento a me fazer elucubrar você com feições distintas de peixe, um escamoso destacável no meio daquele mundo aquático todo, um ser vivo diferente que mereceria reverência e respeito de toda e qualquer espécie marítima e quiçá terrestre, uma vez considerado todo o portento que envolveria o seu nascimento.

Contudo, não posso mesmo deixar de ser gente e o que me resta é continuar nesse jogo aqui em que o telefone celular é o meu instrumento de partida, num ritual para o qual cada vez mais acumulo impaciência, embora reafirme para você que eu jamais seria capaz de abandonar o barco e nem de abrir mão do compromisso de te trazer à tona outra vez, e por isso mesmo é que não deixarei de fazer novas ligações em busca de novas negociações envolvendo você.

Estou pensando em encarar o universo feminil com um papo franco e direto, era aí aonde eu realmente queria chegar, filho, preste atenção como se esta nos fosse uma daquelas conversas sérias de homem para homem, como se este parágrafo fosse oculto e de nossa inteira exclusividade, entende? E aí, o que você acha? Isso! Eu diria que quero um filho e nada mais. E que isso demandaria incialmente o único incoveniente de que se deitassem um instante, recebessem em suas entranhas o meu caldo e aguardassem em seguida pelos primeiros sinais da sua iminente e eminente chegada.

Estou com tudo ensaiado e possa ser que já inicie o projeto ainda nesta segunda-feira, que, deixe eu te adiantar, é também um dia em que pretendo definitivamente voltar a escrever com regularidade, também um novo projeto, um pequeno compromisso, nada demais e juro que sem tiradas grandiloquentes, somente uma atividade onde eu possa gastar algumas vírgulas, é também para isso que vivo, você já sabe.

Sim, rapaz, estou pensando em enxertar de vez bem umas cinco, que tal?, que é pra você projetar nas possíveis mães qual seria o fenótipo de sua preferência e mergulhar rumo à encarnação logo em seguida, para não correr o risco de ser ultrapassado por um dos seus quatro meio-irmãos.


Deixe-se mesmo cintilar, se agite como um peixe corajoso e desbravador, meu garoto, porque, por enquanto, com a reinante impossibilidade de transformá-lo logo em vida, ficção segue sendo tudo o que tenho para te oferecer.

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