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Ganhe a América, mas não me faça chorar

Ainda não percebo variarem os matizes do vermelho e do preto que o revestem, então não vá pensando que anda dotado de maior grandeza somente porque anda aprontando poucas e boas pelos campos do Brasil. Pouco me importa se têm falado de você e muito menos ainda o que têm falado. Reconheça-te a ti mesmo, portanto. Saiba se colocar no seu lugar. Aja como homem, antes de tudo. Não aceite os elogios de ocasião, pois nunca antes haviam lhe enxergado a importância. A sua grandeza, isto eu já o havia dito antes, é a grandeza que habita o meu coração. Somente no meu coração e no meu pensamento você seria capaz de ultrapassar o Goiás, o Botafogo, o Grêmio, o Atlético-PR e, ainda que seja matematicamente impossível, até mesmo o Cruzeiro, pois sou eu que sempre vi em você valentia e não houve e nem haverá pra mim agremiação no mundo que possa nos amedontrar. Mas agora vejo que quer me desafiar. Quer desafiar a minha ficção. Quer, finalmente, pôr em prática tudo o que eu bradava para outrém a seu respeito. Quer, por fim, transgredir, deixar de ser um time boa praça para reclamar um lugar na América, para pôr a flamular no alto da Bolívia ou por entre as ruas elegantes de Buenos Aires a nossa bandeira. Vejo que me tomou até o discurso. Fala e se comporta agora de modo a me reproduzir os delírios, esfregando na cara de quem quer que seja esse seu escudo imponente, o mesmo que ajudo, com a minha contemplação e zelo diários, a manter todo cheio de fulgor, tal como você agora o ostenta na parte de cima da tabela de classificação. Não queira perder os meus cuidados. Não faça pouco caso dos beijos no escudo que te dou às escondidas, antes e depois de dormir. Peça-me que te deixe, se preciso, mas não venda a minha paixão. Continue a ser valente por entender somente e tão somente que a galhardia lhe é parte constituinte do espírito. Seja honesto comigo. Estou com medo de você. Não estou preparado para te ver ainda mais altivo, figurando honrosamente entre os grandes do País, metido por aí em viagens internacionais, irrompendo fronteiras, devastando novos corações, adorado como um clube cosmopolita e como uma força nacional. Quero que repense tudo isso. O mundo pode não estar preparado para a sua força. Sei bem o que te digo, pois Sr. Vuvuca, meu vizinho, também te carrega no coração e me segredou que somente sairia ao seu encontro se, de fato, você vier a abocanhar uma vaga na América. Pelo silêncio na cidade, te garanto que há outros vuvucas por aí, pois o comedimento nos é uma marca registrada, fruto talvez do seu histórico de parcas conquistas. Então, pense bem: se você for mesmo seguir impetuoso e resolver mesmo invadir esse tal G-4, como a nossa cidade comportaria esse amontoado de gente que sairia às ruas em inebriada celebração? Não vê a tensão que você instalou em Salvador? Não vê que estamos todos em silêncio, somente à espera de que ganhe os jogos de quarta e de domingo para que, por fim, saiamos por aí, então com os peitos cheios de orgulho, a gritar o seu nome pela capital, pela região metropolitana, por Sergipe, pelas Alagoas, por Pernambuco, por Minas Gerais e por todos os demais cantos do Brasil? Avalie bem o que fará. Prefiro, confesso, a continuidade da simples liturgia a que nos habituamos conjuntamente. Não queria tanto assim te ver campeão. Isso era coisa que eu dizia no bar. Dizia pra animar os meus primos. Somente para fazê-los suspirar e lhes imaginar o sonho da conquista flutuando em seus espíritos. Na verdade, eu só te empresto o meu amor pra te ver entrar em campo. Só vou ao seu encontro pra reencontrar a alegria daqueloutros que também são apaixonados por você. Vou lá e faço o de sempre. Você entra e eu te aplaudo, embalado pelo batuque ritmado da galera. Vivemos aqui uma relação altruísta de troca. Você nos energiza os tambores e nós fazemos de você um Leão. Sem nós, não se materializaria em você um Leão. Então te peço, mais uma vez, meu Leão, que tome muito cuidado. Se vai mesmo se meter no G-4, o faça com segurança. Certifique-se de que estarão inteiros os nossos corações. Temor dentro deles jamais haverá. Estaremos contigo, porra. Mas a certeza que te dou é uma só: se nada der certo, te amarei ainda mais, seu porra, e já chorei o que eu tinha que chorar agora, porque eu nunca senti tanto orgulho de você, seu filho da puta. Então vá lá e meta a porra no Cruzeiro mesmo, me chame pra acabar com o Santos, pra dilacerar o Criciúma, pra desonrar o Flamengo e pra fechar com chave de ouro contra o Atlético-MG. Depois, nem precisa me chamar: eu estarei nas ruas, de bandeira empunhada, de rosto pintado, cantando feito um menino até perder a voz. Ou então, se aqueles que ainda escondem o amor por você vierem a me surpreender, vou conter a minha empolgação e ouvir uma cidade inteira cantar por mim.

Rafael França, sem vergonha de confessar o amor pelo Esporte Clube Vitória, em 12 de novembro de 2013, véspera do jogo contra o Cruzeiro, sem medo de ser frustrado por um eventual fracasso na luta do Leão da Barra por conquistar uma vaga na Taça Libertadores da América no ano seguinte. A sua paixão pelo Nêgo é burra e eterna.

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