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Outra pessoa

Crônica de Armando Oliveira

                Minha grande meta, na outra “encarnação”, é voltar “pessoa jurídica”.
                Porque bem mais difícil que a existência da outra “encarnação”, é ser “pessoa física” neste país.
                “Pessoa jurídica”  pode tudo, sonegar impostos, falir, ressuscitar com razão social diferente, dar calote, responder processo em liberdade, lavar dinheiro no exterior, explorar os funcionários, fazer lobby, organizar cartel, esmagar as concorrentes e o escambau da impunidade.
                “Pessoa jurídica” tanto pode ser pública, quanto privada. Quando pública, geralmente atende pelo vulgo de “ministério”, “secretaria”, “repartição”, “órgão”, “entidade”, “comissão”, “executivo”, “legislativo”, “judiciário” e o escambau da “burocracia”. Se privada, há cacetes armados dos mais variados tamanhos e ramos.
                “Pessoa jurídica”, atrasa pagamento de tributos, água, luz, telefone, aluguel, vencimentos, gratificações, fornecedores, aposentados, etc., e não lhe acontece absolutamente nada.
                Há um espécime híbrido, meio pessoa jurídica, meio pessoa física, denominado “fundação”, o mesmo se podendo dizer das ONGs e o escambau da anistia fiscal.
                “Pessoa jurídica” rola dívida, renegocia preços, corrige créditos, ignora débitos, tá nem aí, tá nem aí!
                “Pessoa física”, coitada, não pode festejar. Se atrasa 24 horas no pagamento do aluguel, da luz, da água, do telefone, do condomínio, do plano de saúde, do IPTU, do IPVA, da ponte que os partiu, pode se preparar que vem chumbo grosso!
                Juros, taxas, valores corrigidos, ameaças, limite cancelado, ai do infeliz que avermelhar seu cheque especial!
                Cai na boca do povo, na lista dos devedores (pois “inadimplente” é rótulo privativo de “pessoas jurídicas”), crédito cortado, nome sujo em todas as praças, pior que marginal fichado em delegacia de polícia.
                Ultimamente, tenho tido problemas com “pessoas jurídicas” dos mais variados gêneros, embates que reduzem à insignificância minha condição de “pessoa física”.
                Enquanto nós, “pessoas físicas”, temos nome, sobrenome, carteira de identidade, CPF, PIS, PASEP e o baralho a quatro, as “pessoas jurídicas” que nos oprimem, nos perseguem, nos sacaneiam, são personagens misteriosos, que atuam nas sombras, tomam conta de nossas vidas e até se fantasiam de “leão” para nos atemorizar.
                Não, não quero reencarnar rico, bonito, inteligente, poliglota, cheio de “pedigrees” e trabalhando na Globo.
                Não, meu sonho de futura reencarnação é mesmo “pessoa jurídica”, se possível com um pé no Palácio e outro no sistema financeiro, costas largas e quentes, desfrutando do mais absoluto anonimato, embora em todas as boas bocas.
                Quer ver neguinho tirar onda comigo!

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