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Malditas homenagens póstumas


Aos meus braços chegou pequenina
Em tom amarelado e pelagem lisa
Das lembranças, da sua chegada, ausentes
Tenho apenas tristeza da partida presente

Há meses lhe escreveria um texto
De bom grado, de bom proveito
Com agradecimento, desculpa e talento
Por tê-la deixado sempre em desalento

Dos seus cuidados fui covarde, infiel
Quem mais o faria se não fosse Gabriel?
Das suas vontades fui um grande ditador
Que mais queria se só ganhei amor?

Aos prantos enxarquei toda esta página
À vergonha me excedi ao cair das minhas lágrimas
Destes que aqui me olham e não me entendem
Daquele que da dor da perda se consentem

Nunca em ti vi tristeza que transpusesse a minha chegada
Nem mesmo alegria que saltasse à minha saída
Se manteve firme em toda tua jornada
Amando como bicho, humanizando nossa vida

Quem dera fôssemos assim: irracionais!
Quem dera amássemos assim: irracionalmente!
Esqueceríamos o orgulho, seríamos normais!
Como animais ferozes, naturalmente!

Recriminei seus olhares, seus anseios
Reprimi seus pedidos, seus desejos
Da mais tenra ingenuidade e franqueza
Lhe neguei algum carinho com aspereza

Quis a vida que nos encontrássemos novamente
Para um acerto de contas, definitivamente
Eu mudaria, te ajudaria
Você me amaria: repetiria

Com aquele olhar queria ir à praia
Com aquele gesto queria brincar de bola

Peça comida, faça barulho, lhe daria tudo
Fez barulho, pediu comida, não lhe dei nada

Das areias da Boa Viagem estás embaixo
Que estas águas mornas lhe molhem em verdade
E cada gota será um pedaço da minha saudade
Que nem em mil peitos estará guardado

A cada palavra, uma dezena de lágrimas
A cada lágrima, uma centena de pensamentos
A cada pensamento, um milhão de ressentimentos
A cada ressentimento, toda saudade é infinita

Certamente não me lerás
Mesmo com toda boa vontade
Mas provavelmente acreditarás
Que a ti serei leal na eternidade

Dará a Deus o que acredita
Dará à terra o que duvida
Dará sua alma n'outra vida
Dará você a mim, Dara

Foste ao eterno sem meu consentimento
Nos braços da pobre irmã em desalento
Malditas lágrimas desnecessárias!
Malditas homenagens póstumas!



(Homenagem a minha Dara, que se foi em 01/09/12. Sinto sua falta.)
GF

Comentários

Rafael França disse…
Sofri com a perda de "Pindhola" só de pensar no quanto você sofreu, meu irmão.

Onde ela estiver, se sentirá muitíssimo homenageada com as suas palavras canalizadas pelo coração, meu brother.

Terminei a leitura e tive vontade de te abraçar.

Receba, então, um abraço apertado do seu irmão que te ama e que está sempre do seu lado.

RF
Unknown disse…
É, chorei! Chorei ao lembrar do quanto a gente se apega, do quanto a gente despreza, do quanto a gente ama um animal...Me fez lembrar de que nunca chorei por ninguém como chorei pelo meu cão. Suas palavras me tocaram...ela com certeza aceitou sua homenagem.Fique com Deus primo.

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