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Carta ao meu filho

O meu novembro passou, passou dezembro, janeiro foi célere por demais e já lá nos vem mais um Carnaval, bicho. A turistada desce por aqui de avião, de transatlântico e de tantos lugares outros quantos mais você possa imaginar. Contudo, mesmo os que ainda não vieram, com o mundo globalizado do jeito que está, a essa altura já sabem que não temos policiamento e muito menos governador.
Venderão todos os seus abadás e a festa, Deus lhe ouça, pode ser que pela primeira vez não aconteça, mas seria ingenuidade minha por demais declarar abertamente nisso acreditar. A greve, filho, como não poderia deixar de ser, é política, e daí de cima você deve saber muito bem disso, a não ser que uma ou outra alminha feminina já ande por aí a lhe desviar a atenção, seu moleque, quando deveria o senhor moço estar a estudar a Terra e a aproveitar o lugar para carregar as energias com puritanismos, fraternidades e sentimentos recrudescentes outros que somente você, agora, no paraíso ou no poleiro em que habita, deve saber existirem em nossa essência.
Há mais ofertas de emprego e temos faculdades públicas novas. O povo passa menos fome e sobre isso os homens de colarinho branco, que, embora desde o tempo da sua primeira encarnação até os dias atuais não tenham deixado de nos ser aviltantes, têm laudas enormes para comprovar, não serei um pai tão irresponsável a ponto de destes acontecimentos não lhe deixar à par. O Seu Vitória, você já sabe, continua na mesma, a não ser por umas fatias ou outras de alegrias aqui e acolá, como já é de todo ano se esperar.
Os seus tios estão cada vez mais fortes e mais sorridentes. O avô e a avó idem. Primos ainda não há, mas pode ser que já existam quando você chegar. Os sistemas econômicos, me perdoe a mudança brusca de assunto, estão em crise, e ninguém sabe mais o que acontece com o nosso capital. Espero que traga daí uma proposta para uma nova ordem mundial e me convide à mesa para expor os meus contrapontos, mas daqui já antevejo em você uma erudição extraordinária e não me imagino assumindo outra postura senão a de brevemente com você em tudo concordar.
Mas, honestamente, sabe do que mais, filho? Apesar dos longos anos que nos separam e apesar de ansiar pelo nosso primeiro papo de homem para homem, no tete à tete, sinto que foi prodigioso eu não ter ido além daquele único beijo em Borromeia, pois era maio na ocasião e, acredite, neste nosso fevereiro funesto talvez você até estivesse seguro no ancoradouro dos meus braços, mas o pai véio estaria temeroso por demais, balas perdidas nos são ameaças constantes nesses tempos em que policiais são bandidos e nem os bandidos sabem o que são mais, acredite desde cedo no que lhe diz o seu pai.
Sei que anda sequiosíssimo por um primeiro dia de vida, por abrir os olhinhos sem muito dos arredores enxergar e por encher novamente pela primeira vez o peito de ar, mas tenha calma, filho. Tenha calma e espere que todo o resto aconteça; o resto, pequeno broto, o resto é um mistério.

Comentários

MASARACHAMADOGO disse…
Eta saudade desses textos...

Ele tem um quê de futurismo nostálgico, se é que isso é possível.

Mas quanto aos policiais serem bandidos... existem policiais bandidos, sempre houve e sempre haverá; mas a classe militar, com todos seus defeitos, não atinge o mínimo da indecência e mediocridade de muitos governadores, ministros da justiça, secretários de segurança pública.

Eu direi a meu filho( Machadinho...rs) que o avõ dele queria, como bom soldado honesto e revoltado, ser solidário aos seus colegas de farda neste momento tão tenso e dramático. Mais uma vez a mídia e os políticos que a dominam conseguiram colocar a população contra o trabalhador e a favor do mesmo esquema de sempre, que menospreza o trabalho suado de todo brasileiro e entrega benesses aos apaniguados do meu Brasil varonil.

A vontade primária era lutar.

A secundária era ir pra Pasárgada.

A terciaria jaz em estágio de conformação.

Que Deus tenha misericórdia de nós!

MASARACHMADOGO

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