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Bruna

Contudo, apesar de não ter se passado ainda muito tempo, até hoje ninguém dá conta de afirmar com exatidão quais as promessas que constavam da lista de providências a serem tomadas por um bêbado durante os dias futuros do ano de 2012, agora que todos já imaginam estar o papel que as registrava todo borrado ou todo espatifado, podendo ele inclusive a essa altura ser partícipe de um processo de digestão de algum peixe, de algum crustáceo ou – por que não? - de algum marisco. Teriam sido reduzidas completamente ao nada, talvez, porque, para muito além dos bichos que há em toda aquela extensão de azul ou - dependendo do sol, do céu e dos humores do dia - de verde, as projeções para o novo ano poderiam ter sido vitimadas também pelas substâncias deteriorantes que, dizem por aí, também habitam o mar. Ou então, em hipótese que pode ser a mais provável, teriam encontrado antes de serem reduzidas à possível inexistência um cardume com tempo disponível e sem a necessidade imediata da fome, certamente já muito bem alimentado, se não pela cadeia alimentar de que ainda é possível desfrutar, então pelo monte de comezainas que desperdiçam os humanos em festas abastadas, como todo ano, a título de exemplo e também de ocasião, há de nos ser o reveillon. Eis que quatro dos peixes, então, cada um numa ponta, segurariam o composto de celulose para que um quinto interessado, eventualmente alfabetizado por degustações ou por leituras anteriores de outras listas e de outros escritos, possa efetuar a leitura do manuscrito, em voz alta ou nos sinais que naturalmente lhe permita se comunicar com quem lhe é semelhante em espécie. E então se juntariam cada vez mais, como numa verdadeira conferência, todo mundo muito atento ao que pelo relator é dito, sem temer os danos ou até mesmo a morte que poderiam vir a lhes causar circunvizinhamente tubarões, baleias, ou peixes outros de maior porte, enquanto a lista vai sendo desnudada, sem necessariamente seguirem a ordenação escolhida pelo seu criador, sobretudo quando um ou outro tópico lhes soa algo demasiadamente pitoresco, como as promessas de não mais beber daquele refrigerante mas daqueloutro sim ou a de não mais titubear quando nos momentos decisivos frente a um goleiro ou quando diante de oportunidades inéditas. E ainda tem cientista renomado por aí, que nunca pisou numa pinaúna e que nunca sequer ouviu um papagaio falar coisas elaboradas pela sua própria cognição, defendendo a tese de que bicho não pensa, veja só você. Não somente pensam bem como também se permitem fazer reflexões, ou alguém dirá que é possível rechaçar a imaginação quando ela pretende elucubrar sobre o que é que estariam fazendo os peixes diante daquela folha de ofício tamanho A4, então, se não refletindo e alimentando discussões interessantíssimas, com cada membro do grupo defendendo a sua própria opinião, já que não se pode desconsiderar as suas vastas experiências e tudo aquilo o que aprenderam quando se dispuseram por todas as suas efêmeras vidas a nadar até as beiras das praias não em busca de aventuras ou de guloseimas mas simplesmente para ouvir e aprender um pouco com os humanos, que, bem como não nega mas, por orgulho, apenas assente com a cabeça o peixe considerado o mais puta véia de todos os peixes, é com toda a certeza a espécie animal mais esperta desse mundo? Pois não somente desenvolveriam teses bem como também zombariam de nós humanos, cometendo as únicas injustiças de juízo que são a generalização e a consequente criação de estereótipos e de preconceitos, mas isso há de se perdoar, porque não é todo dia que o homem, ainda que sem a menor pretensão, deixa que a água salgada lhe tire do bolso um papel dobrado e a faça navegar com a missão de revelar abertamente para o mundo quais são as suas aflições e tudo aquilo o que tanto ele deseja. Poriam a boca no mundo, se pudessem, mas nem perderiam tempo a pensar nesta hipótese, porque sabem que o homem não aguenta ver um bicho que logo se sente ameaçado, tendo feito somente em toda história raríssimas exceções, sendo delas a mais destacável o beneplácito de conviver próxima e amistosamente com parcas espécies de animais que trataram de domesticar, como se o mundo fosse só deles - imagine, então, se estes mesmos homens os dariam a oportunidade de falar. Poderia ser até argumentado por humanos do tipo mais reacionário que também são animais domésticos aqueles que vivem nos aquários, mas a eles não seriam nem dirigidas respostas, porque todo o mundo sabe que aquilo ali não é somente um aprisionamento mas também um local destinado a emburrecer os peixes, como é que, então, eles poderiam falar alguma coisa? Manter-se-iam em silêncio acerca das descobertas feitas naquele achado, um tesouro que poderiam legar às suas futuras gerações de escamosos, de onde poderiam, pelo método da comparação, ensinar aos seus herdeiros como não pensar a vida, como não ser tão prenhe de inseguranças, de incertezas e de hesitações, e principalmente como não esperar pela virada do ano para então somente promoverem mudanças de hábitos e de atitudes. E que é que, quase terminada toda a leitura e toda a discussão, agora mais proximamente do papel, leriam todos os peixes com os bons olhos que Deus lhes deu, senão um diferente, extenso, enigmático, honesto, magnânimo, louvável, admirável, prodigioso, 47º e último item, de onde quase até se podia perceber reluzente uma declaração derramada de que, da varanda de sua casa, quererá o inebriado rapaz no próximo reveillon ter repetida a visão que tivera momentos antes de ser virado o último ano, quando avistara não tão ao longe Bruna entre parentes e achegados tão linda e tão deslumbrante como nunca a tivera percebido antes? Ver-se-ia perdida, pois, toda a comunidade científica neste ano de 2012, à cata do entendimento sobre por que este último segredo do bêbado os peixes não teriam sabido guardar.

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