“Se naquele instante – refletiu Eugênio – caísse na Terra um habitante de Marte, havia de ficar embasbacado ao verificar que num dia tão maravilhosamente belo e macio, de sol tão dourado, os homens em sua maioria estavam metidos em escritórios, oficinas, fábricas… E se perguntasse a qualquer um deles: “Homem, por que trabalhar com tanta fúria durante todas as horas do sol?” – ouviria esta resposta singular: “Pra ganhar a vida”. E no entanto a vida ali estava a se oferecer toda, numa gratuidade maravilhosa. Os homens viviam tão ofuscados por desejos ambiciosos que nem sequer davam por ela. Nem com todas as conquistas da inteligência tinham descoberto um meio de trabalhar menos e viver mais. Agitavam-se na terra e não se conheciam uns aos outros, não se amavam como deviam. A competição os transformava em inimigos. E, havia muitos séculos, tinham crucificado um profeta que se esforçara para lhes mostrar que eles eram irmãos, apenas e sempre irmãos. Na memória de Eugênio soaram as palavras de Olívia: “Devemos ser um pouco como as cigarras”. Era estranho como ele já não se lembrava com precisão do som da voz dela… ”
A recomendação não é insipiente. Em princípio, contribuir para que um indivíduo abra as páginas de um livro, seja ele qual for, com o intuito de lê-lo, já é, por si só, muito profícuo. Quando falamos de Érico Lopes Veríssimo, então, não devemos apenas aconselhar a leitura. Esse gaúcho de escrita regionalista é um dos expoentes da literatura nacional.
Avesso à matemática, filho de farmacêutico, foi transcrevendo ícones como Machado e Euclides que Érico iniciou sua imersão no mundo das letras. A sua produção é extensa e inebriante. Personagens como Ana Terra e Rodrigo Cambará emergiram do seu Tempo e o Vento para tornarem-se figuras épicas no imaginário nacional. Érico era um contador de histórias, um exímio artífice das palavras. Sua prosa flui história e poesia, entrelaçadas. Ele conseguia criar cidades, povos, dinastias, verdadeiras sagas. Mas sua ficção era atrelada à realidade, engajada. A escrita de Érico transcendia o regionalismo que aparentava ter. Havia universalidade nos seus textos. O mundo está presente nos seus romances, embutido nas suas tramas e corporificado nos seus personagens. Talvez essa característica o tenha imortalizado.
Olhai os Lírios do Campo é possivelmente o mais belo dos livros de Érico. Não é o mais famoso, apesar de ter sido roteiro para um filme argentino (Mirad los lírios Del Campo, 1947) e para uma telenovela brasileira, em 1980. Essa obra-prima trata dos grandes conflitos existenciais através do protagonista Eugênio. Há um lirismo romântico nesse livro semelhante ao que fora desprezado pelo realismo. Entretanto, na sua ambientação urbana, Érico mostra o homem como ele é, com suas ambições e defeitos. A felicidade é tema central da trama. O materialismo é subtema, assim como a segurança. Eugênio avança na trama como se evoluísse de um ser produto do meio e das expectativas sociais para um homem pleno de sua consciência e de suas decisões.
A história é bonita, doce demais para alguns. Mas a reflexão ao fim do livro é imperativa. É um romance que mexe com o âmago, que nos faz pensar. Portanto, apenas indicar esse título é ineficaz. Essa obra precisa ser lida por todos os seres pensantes de nossa nação e de todo o planeta.
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Grande abraço.
Maria Lúcia