Quando sofremos frustrações, reinventamos nossa forma de viver, evitando que as tais decepções voltem a ocorrer. Isso é normalmente lógico. Um povo tenta sempre esquecer suas tragédias reeditando sua história. Assim vive o povo moçambicano, tentando esquecer a guerra civil que devastou o país. Aliás, vive como se esse episódio lamentável nunca houvesse acontecido. Quem corrobora essa ideia é Mia Couto, autor moçambicano de repercussão literária mundial.
Os vestibulandos, em sua maioria, prefeririam que esse texto fosse sobre “O último voo do flamingo”, também de Couto, pois esse livro consta da lista de leitura de diversos vestibulares. Mas o texto aqui não terá o condão de fazer especialista na literatura moçambicana. É, mais uma vez, uma forma de levar o leitor assíduo ao blog à tentação de ler o livro recomendado. E espera-se que o leitor não resista a esta suculenta maçã. Aprecie sua beleza, se delicie na doçura, conheça o imponderável.
“Antes de nascer o mundo” é um livro escrito em primeira pessoa. Quem conta a história é Mwanito, filho de Silvestre Vitalício. Esse Silvestre é o criador de um novo mundo, um terra isolada, que se chamava Jerusalém – a terra onde Cristo iria se descrucificar- e onde não havia mulheres. Os habitantes desse novo mundo eram: Silvestre, seus dois filhos, um empregado fiel e a jumenta Jezibela – única integrante feminina. Toda essa loucura da cabeça de Vitalício tinha explicação e ela se encontra na ex-mulher dele, Dordalma. A trama demonstra como a alienação voluntária pode ser perigosa e insana. Vitálicio não queria mais estar presente no mundo. Ele poderia ter se suicidado, mas seu suicídio fora distinto. O sofrimento dos outros habitantes de Jerusalém é explícito, já que apenas Silvestre crê e vive seu imaginário novo universo.
O livro é bem escrito, com boas descrições e excelentes divagações, que propiciam reflexão. Há um tom ameno no discurso, talvez porque o narrador, Mwanito, é apenas um menino em fase de crescimento e que desconhece, verdadeiramente, o mundo como o conhecemos. Há simbologia nos nomes e nas ações. O tempo todo Couto parece querer mostrar como age alguém que não quer mais viver a vida como ela é. Todos nós temos, na vida cotidiana, esse desejo algumas vezes. Buscamos uma pasárgada, um subterfúgio, um consolo. A vida é recheada de tragédias, mas possui também as suas belas singularidades. Como viver o hoje, o aqui e o agora sem almejar, como Silvestre, um mundo que nos liberte da opressão e do sofrimento? Talvez seja essa uma boa indagação para refletirmos e comentarmos.
Comentários
Parabéns pelo post, e obrigada pela visita ao Badulaques!
Até.
Mariany Carvalho
abraços.