“Gosto-te tanto que, se um dia eu te perder na dor do desencanto, silenciarei meu canto e não saberei mais viver”, era o que dizia, durante a madrugada, a primeira mensagem de texto que Ana Júlia recebeu em seu primeiro telefone celular. A menina não precisou correr ao encontro do aparelho: ele vibrara uma única vez sobre a cama, ao seu lado, despertando-a de prontidão. Ana, surpresa, suspirou, e não fez cerimônia para ler o pequeno conteúdo. Aquele era sem dúvidas o seu melhor presente de aniversário, mas ela não imaginava que o seu melhor brinquedo tão logo pudesse sinalizar ao seu coração com tamanha voracidade.
Horas mais cedo, o aparelho fora a grande atração para Júlia e para as suas amigas da escola. A maioria das meninas já dispunha de telefones móveis. E eram apenas Júlia e Silvia, a sua melhor amiga, as que ainda não possuíam um. Silvinha ficou sozinha nesse time: ontem fora a vez de Júlia estrear o seu. Agora Júlia poderia entender melhor as fofocas iniciadas nas noites que antecediam os encontros matinais no pátio do colégio - ela ficava sempre “voando”, como costumava dizer, antes de se retirar solitária para a sala de aula.
Tímida, Júlia, entre um sorriso e outro, era uma menina contagiante. Recusava alguns elogios exagerados às funções mais avançadas do seu telefone portátil e insistia em dizer, com forte entonação na voz, que aquele era um presente do seu pai. Mas ela passara mesmo aulas inteiras a mostrar os jogos, as fotos e os tons musicais que já constavam da memória do aparelho, inadvertidamente desatenta aos olhares curiosos dos garotos mais espevitados de sua turma.
O dono de um dos olhares, entretanto, assistia à cena com total discrição, dividindo a sua atenção com um exercício de matemática, que àquela altura já não podia mais ser respondido sem incorreções, uma vez que o menino pusera sinal de “menos” onde deveria ser “positivo”, quando - sem querer – o seu olhar cruzara o de Júlia. O menino se envergonhara e, sem disfarce, baixara o olhar.
Esfregava a borracha por onde não havia nada escrito, despercebendo-se do erro que houvera cometido. Tentava, em vão, encontrar o “x” que o enunciado exigia. Encontrou “menos quatro”, como resultado. Olhou as opções no livro e percebeu que, da letra “a” à letra “e”, não existia uma mínima similaridade sequer com o resultado obtido. Resolveu reagir, então. Não à expressão numérica; à oportunidade que se apresentava para que o seu coração se manifestasse, sem precisar, entretanto, expor a sua timidez:
- Ei, Bolha. Preciso do número dela, cara – falou baixinho ao seu amigo de infância, após ter retomado a coragem e ter se reerguido sobre a cadeira.
- Que número? De quem? – perguntou bolha, após ter cravado, convicto, um “x” sobre a letra “c” do mesmo exercício que o seu amigo malograra, cujo resultado não poderia ser outro senão dezesseis.
- Da Júlia – o menino disse, baixando o rosto pesado pela vergonha.
Bolha levantou-se e, como um bom amigo, iniciou alguns passos lânguidos ante o olhar de repreensão da professora de Matemática, uma senhora aposentada que dizia, do alto dos seus 68 anos, que “ensinar matemática era a sua maior paixão” e que não aceitava qualquer movimentação sem o seu consentimento. O menino fingiu espirrar por três vezes e prosseguiu a caminhada, convivendo agora com o silêncio fúnebre instalado na sala e com os olhares lançados contra o seu vulto.
- É o ar-condicionado, professora. Preciso me sentar mais à frente – justificou-se Bolha, com o ar de brilhantismo de protagonista de cinema, e prosseguiu com os seus passos, triunfante, sentando-se em seguida ao lado de “jubis”, como ele costumava chamar a doce Ana Júlia.
A execução da tarefa não fora nada difícil para Bolha, dada a sua facilidade para se enturmar com meninas. E o dia na escola terminara ao meio dia, sob os lúdicos ensinamentos de um jovem professor de história, que não se importava com a empolgação do menino sentado na última cadeira à direita. O menino tinha o rosto iluminado pelo reflexo do brilho dos seus olhos incidente sobre o caderno. Quando o sino tocara, o menino brincava. Brincava com números. Os números do telefone celular de Júlia.
Comentários
Quando começo um livro, termino no mesmo dia. Então peço,melhor imploro que não me torturem com esses capítulos que tanto demoram...
AMEEEEEI o capítulo III
Mais uma vez... PARABÉNS!!!
Beijo!
Um grande abraço!
ABRAÇOS A TODOS