Continuando em clima de África do Sul, decidi escrever sobre um livro que acabei de ler. 'Desonra' é um romance escrito por J. M. Coetzee, um dos mais respeitados escritores sul-africanos da atualidade. Coetzee já foi premiado na França, Irlanda, Israel e Inglaterra. 'Desonra' deu a ele o prêmio inglês Booker Prize pela segunda vez, em 1999. Na prática, eu desconhecia todos estes fatos, mas, por acaso, encontrei Coetzee na biblioteca e, na minha ânsia voraz por conhecimento, decidi lê-lo.
O que dizer do livro, agora que acabei a leitura? É ultrajante, ignominioso. Ou seja, faz jus ao título. Mas não vou me antecipar. O romance fictício começa na real Cidade do Cabo. David Lurie, um professor universitário de literatura, é o protagonista da história. Ele é solitário, conformado, erudito e irônico. Tem por ambição escrever uma ópera/peça teatral sobre Lord Byron, poeta que admira. Divorciado duas vezes, vive só e resolve suas tensões sexuais com prostitutas. Num enorme vacilo, levado pelo desejo, ele tem um caso com uma aluna sua. Este fato vai colocá-lo fora da vida acadêmica. Seu refúgio será no interior da África do Sul, onde sua única filha,do primeiro casamento, mora sozinha. A realidade vivida por Lucy, filha de David, é rural e, sobretudo, brutal. É a África pós-apartheid, onde ter bens materiais significa sempre um perigo constante. O clímax do romance é atingido quando três homens, dois adultos e um jovem, assaltam a casa de Lucy, tentam colocar fogo em David, roubam diversos bens, matam os cachorros criados por ela e fazem o mais ultrajante: violentam Lucy. O que aconteceu ali chama-se estupro. Mas a palavra que define essa crueldade demora a aparecer no livro. Lucy se abala, mas é resignada. David, impotente na situação, vai sentir o peso da desonra. E a desonra vai se manifestar mais uma vez quando ele decide encontrar os pais da garota pivô da sua expulsão da universidade. Eu lembrei a história bíblica de Diná, filha de Jacó, que foi estuprada ainda virgem. Nessa história ignominiosa, o final é sanguinário, quando os irmãos de Diná matam todos da família do homem que a violou. Mas no livro de Coetzee não é assim. Não há vingança, nem há perdão; existe apenas resignação. Lucy engravida e se casa com um homem que trabalhava para ela e era parente do jovem que estava no dia do estupro. David tenta com todos os esforços tirar Lucy daquele local, mas fica frustrado. O final do livro nos dá uma sensação de injustiça, que deve superabundar nos países do terceiro mundo.
O romance é escrito com uma fluidez agradável. Como diria meu pai, dá para lê-lo numa sentada. Apesar de todas as situações aflitantes, a leitura é agradável. Uma prosa límpida, onde cada parágrafo tem sua importância na história e uma contribuição para o ser humano. O livro foi aclamado pela crítica, por recusar as explicações fáceis e por reinventar a realidade. Mantenho minha posição: 'Desonra' é asqueroso, aviltante, revoltante. Entretanto, é rico. Recheado de pluralidade literária. No início da trama, David reflete sobre sua felicidade e lembra a última fala do Coro de Édipo: “Nenhum homem é feliz até morrer”. No fim do livro ele fala resignado: “É. Vou desistir.” Para os amantes da literatura, é uma leitura obrigatória.
Comentários
Abraços
Um abraço
Valeu pela indicação, velho.
Um abraço!