Pular para o conteúdo principal

Meu pai, meu herói, meu Edward Bloom

"No dia em que Edward Bloom nasceu, choveu" - é com essa classe que Daniel Wallace termina o primeiro capítulo, após narrar o amadurecimento de uma nuvem sob o céu azul de uma terra deserta. "Que capítulo, Rafael? De que livro? Quem é Daniel Wallace?" - são estas as três perguntas que penso ouvir agora dos mais ávidos leitores, imaginando-os desesperados diante do assombroso comprimento deste novo escrito.
Vou embaralhar a ordem das respostas para as perguntas entre aspas e começar dizendo que Daniel Wallace é alguém que eu muito invejo, embora o riso que me escapa no canto da boca não esconda a minha grande admiração por este americano incrível. O livro é "Peixe Grande - uma fábula do amor entre pai e filho" (Editora Rocco), obra que deu origem ao filme quase homônimo "Peixe Grande e suas histórias maravilhosas" e que hoje me acompanha a tiracolo, em qualquer que seja o meu destino. O referido capítulo fala do nascimento de Bloom. E Daniel, munido de uma escrita que revela traços marcantes da literatura moderna, descreve o parto com o mesmo ar de grandiosidade que o seu personagem, então recém-nascido em Ashland, no Alabama, carrega consigo durante todo o restante do livro.
Ainda não terminei a leitura: o livro me soa tão agradável que tenho me permitido apenas deliciar-me com a contemplação de um único capítulo por dia. Bloom é um velhinho encantador. No livro, é possível imaginá-lo ainda mais inspirador. Mas é em Albert Finney - ator que o imortalizou no cinema e que o interpreta quando idoso - que está a melhor representação de Edward. Não que eu não ache espetacular a interpretação de Ewan McGregor dando vida a Bloom quando adulto - aliás, não imagino outro ator encarnando Bloom senão este escocês de 38 anos -; é que Finney me faz lembrar o meu "pai véio".
No filme, Willian, o filho único de Bloom, é uma espécie de idiota que não consegui ser - e, admito, sinto certo orgulho disto. Assim como Willian, amo o meu pai, mas jamais ousei desacreditar nas histórias que o meu velho me contara, ao longo de toda a minha existência. E é exatamente isso o que o imbecil do Willian faz o filme todo: desacreditar nas histórias do seu pai, o velho e adorável Bloom.
O personagem criado pelo autor que protagonizou o primeiro parágrafo passa o filme numa cama, doente, sem grandes esperanças de que possa curar-se de uma doença maligna. Quem nos presenteia com a bondade de entrar no quarto em que Bloom repousa é a sua nora, que está noiva do infame e que, involuntariamente, abre para o telespectador um mundo que o cinema não conhecia. Bloom revela-se um incansável contador de casos. Entre tantas histórias, ele conta sobre como domara um gigante, sobre como o seu corpo crescera desenfreadamente – na adolescência - e sobre como se apaixonara - esta é a melhor parte.
Chega de enrolação. Não posso mais disfarçar: o título do texto parece olhar-me furioso como quem cobra uma dívida imperdoável. Ele e a minha consciência, em coro, me cobram: "qual a relação de Bloom com o seu pai"? É que eles são os meus heróis: Bloom desbancou outros tantos corajosos que também habitam o mundo da sétima arte e assumiu o topo da minha lista preferencial, e o meu pai, do lado de cá, no mundo real, é para mim a pessoa mais sábia e mais sensata do mundo.
Todos os filhos devem iniciar a sua formação como homem espelhando-se em seus pais. Comigo não foi diferente. Cresci ouvindo as músicas que ele mais gostava, freqüentando estádios de futebol com ele e, o que é melhor, ouvindo às suas histórias. As histórias contadas por meu pai ganham outro tempero. São sempre carregadas de surpresas, de ensinamentos e de um ar inteligente – o oxigênio é parte substancial dos seus eloqüentes discursos. Não sei bem se sei explicar. Tive esta primeira impressão ainda na infância: as minhas primeiras perguntas, típicas de uma criança que explora a inconteste sabedoria dos mais velhos, eram sempre difíceis de serem respondidas. Mas lá estava o meu pai. Ele respirava, balançava uma das pernas e, após o que parecia uma consulta à sabedoria flutuante do ar, soprava as palavras como que um livro aberto e ambulante.
Ainda tenho a felicidade de tê-lo comigo e os seus ensinamentos sobre a vida ainda são corriqueiros, embora eu tenha me tornado um pouco mais esperto e mais chato do que antes. Não canso de ouvir os seus relatos e os guardo como quem tem o compromisso secreto de, um dia, se a vida me permitir, escrever a sua biografia.
Soube há pouco, por ele mesmo, por meu pai, que após o acidente que ele sofrera pouco antes do meu nascimento, ele fora salvo por um casal. E que a moça lhe dizia que não morresse, porque ela já havia resgatado outro homem e que, momentos depois, tivera a triste notícia de seu falecimento. Imaginei a moça mergulhando como sereia para salvar o meu pai. E pensei na mística que une os heróis. Eles se reconhecem, se ajudam e se cultuam, acredito. Acredito, não. Tenho certeza: foi o meu pai quem me indicou “Peixe Grande”. Foi ele quem me apresentou a Edward Bloom.
RF

Comentários

Anônimo disse…
" Peixe Grande é um filme mágico, profundo, arrebatador...

A emoção da leitura que deu causa a esse comentário é tão grande quanto o arrependimento de Edward, ao abrir mão de um mundo de beleza insuperável, que veio à tona através das narrativas de seu pai..."

Aldo França
JOCIMAR FRANÇA disse…
Que coisa linda!

Culto ao pai enquanto vive... Parabéns meu querido sobrinho, poucos conseguem tal proeza.

Não há necessidade de provar sua tese, pois o seu coração é o tubo de ensaio que formou e codificou o seu amor de filho, mas o comentário feito acima, comprovam a beleza do ser humano que é o seu Pai. Poderia ter apontado para si, mas retornou ao livro, como uma continuação da narrativa...

Parabéns 'pai véio', pelo dito e pelo ainda não dito.
Anônimo disse…
Quantas vezes já tentei ver esse filme... e continuo morrendo de vontade de vê-lo. PEIXE GRANDE já está em minha lista. Espero encontrá-lo o mais rápido possível.

Mas realmente o mais belo de seu texto é a relação pai-filho. Lembrei a letra da bela música 'PAI', de Fábio Júnior, que seu pai tanto gosta.

É realmente admirável ver uma boa relação entre pais e filhos, nesse nosso mundo tão carente de bons exemplos familiares.

UM FORTE ABRAÇO para tio e tio Bay, grandes e grandes tios também...rsrs

Um abraço a meu PAI, que com seu jeito imperativo, sempre foi um modelo para mim!

Não é o 2º domingo de agosto, mas a homanagem aos pais é válida em qualquer dia do ano!

ABRAÇOS A TODOS

Tiago França
Joás Designer disse…
Pra começar, há um certo constrangimento em comentar nessa página, onde apenas "PEIXES GRANDES" deixaram suas marcas.

Uma leitura relamente emotiva, Tio Aldo, e linda, Tio Bay.

A comoção ao ler esse texto é fatal. Não pela qualidade do escritor ou da histótia do livro, mas, sim, pela entrega ào sentimento pai-filho que, hoje, está dando lugar para a rebeldia de jovens em estados deploráveis.

Já tive a oportunidade de fazer algo parecido. Cantei para o meu pai, - cada um com seu DOM :P - uma música que falava de amor. Mas, um amor incondicional.

É inexplicável, o sentimento de ver o SEU pai, aquele durão, que nunca chora, que nunca se deixa emocionar, com lágrimas nos olhos, após uma declaração de amor do seu filho.

Parábens primo.
O mundo precisa de atitudes influenciáveis como essa!

Eu te amo MEU PAI.
Gabriel França disse…
Homenagem justíssima, parceiro! Bem que você havia dito: “Minha obra prima está por vir!”. E veio mesmo. Um belíssimo texto. Um dia, quando eu tiver um pouco da sua magia com as palavras, pretendo homenageá-lo também, pois ele é realmente digno de todo esse carinho e amor. Comentar em um texto, no qual o foco é o seu pai é muito gratificante. Nosso pai, nosso herói, é com certeza o nosso maior orgulho e o nosso maior ídolo. Que bom é ver essa página repleta de comentários de pessoas que dão o real valor para a relação pai-filho e que não fazem qualquer cerimônia ao expor todo esse sentimento!
É bonito de se ver!
Certamente Danilo e Daniel pensam da mesma forma sobre o seu pai, assim como Tiago, Joás e todos os meus outros primos. Que bom!
Excelente texto!

Um abraço a todos!
Quéren disse…
Quando Tiago me falou desse texto pensei que estivesse brincando.
Chorei! Me emocionei tanto com o texto que ainda chamei minha mãe pra ler pra ela.
Acho que vim representar o sentimentalismo das mulheres,rs.
Numa época em que pais abandonam, maltratam e abusam de seus filhos Rafael entra em cena para mostrar que bons pais existem.
Lendo o texto me recordei das grandes histórias de tio Aldo, magníficas,as histórias que toda criança gostaria de ouvir.


Ah, se todos os filhos e filhas da família França usassem seus pais como modelo...


Ainda não assisti o filme. Eu e Tiago já caçamos e não encontramos, mas acho que vou preferir ler o livro.

Parabéns meu primo.

Parabéns meus tios pelo grande exemplo.

E não poderia deixar de mencionar o meu Pai, a pessoa mais corajosa que conheço,a alma mais imensa...


Vale lembrar que agradecer a eles temos que demonstrar, cada um da sua maneira, o amor que temos pelos nossos pais.

Postagens mais visitadas deste blog

EDMÉIA WILLIAMS - UM EXEMPLO DE FORÇA E CORAGEM

Vivemos em um mundo altamente egoísta. São raras as ações de humanitarismo e solidariedade. Por isso mesmo, elas merecem grande destaque. São poucos os relatos de pessoas que abandonam o seu cotidiano e a sua comodidade para contribuírem para o bem-estar do próximo. A “personalidade da semana” do INTITULÁVEL é uma dessas exceções da sociedade hodierna. Edméia Willians nasceu em Santarém, interior do Pará. Entretanto, sua família migrou para Salvador, na Bahia, onde ela passou a maior parte de sua vida. Aqui ela cresceu, realizou seus estudos, se casou, constitui família e obteve os bacharelados em Pedagogia, Filosofia, Psicologia e Música. A sua vida era normal, como de muitos. Passou a morar no Rio de Janeiro, devido ao emprego de seu marido. Chegou até a morar no Iraque, ainda na época de Sadan, também por motivos profissionais relativos ao seu esposo. Tudo transcorria normalmente até que duas tragédias mudaram a história de sua vida. Em um período muito curto, Edméia perdeu o seu es

POR DENTRO DA CAIXA DE PANDORA

Mais uma operação da Polícia Federal. Seu nome: CAIXA DE PANDORA. Os resultados: corrupção, caixa dois, mensalão. Envolvidos: José Roberto Arruda (DEM) - governador do Distrito Federal , Paulo Octávio (DEM) - vice-governador, Durval Barbosa (o delator) - secretário de Relações Institucionais do Distrito Federal e mais uma corja enorme de deputados distritais corruptos. E o que podemos aprender com tudo isso? Vamos começar pelo excêntrico nome da operação policial. Pandora é uma personagem da mitologia grega, considerada a primeira mulher, filha primogênita de Zeus. A famosa Caixa de Pandora era usada por ela para guardar lembranças e a sua mente. A tragédia aconteceu quando ela guardou lá um colar que seu pai havia dado a ela. A caixa não podia guardar bens materiais e por isso o colar foi destruído. Pandora entra em depressão e tenta dar fim na caixa, mas ela era indestrutível. Por fim, ela se mata, por não conseguir continuar vivendo carregando aquela maldição. Comumente, a expres

TELA AZUL

Meu recente deslumbramento com a qualidade dos livros de Fernanda Torres permitiu que eu olhasse o livro da Maitê (É duro ser cabra na Etiópia) com olhar caridoso, adquirindo-o para o longínquo voo. A leitura diferente e intrigante, com textos de vários autores desconhecidos, rememorou em mim que o meu prazer de ler sempre foi equivalente ao de escrever. Apesar da voracidade para acabar o livro, a rinite estava atacada. Além disso, os últimos dias haviam sido bem cansativos. Decidi, então, tentar cochilar. Fone no ouvido, voo de cruzeiro. O barulho das crianças no assento de trás não era mais tão perceptível. O avião estava acima da enorme nebulosidade e eu observei a luminosidade variando na asa para avaliar possíveis turbulências. Tudo planejado, era hora de tentar dormir, coisa rara para mim em voos. Entre as variadas cochiladas, a mente tentava conciliar o descanso exigido e a consciência plena da situação. Num dos lampejos, após tornar a fechar os olhos, vi tudo azul.