A ARTE DE LER – 100% TEXTO DO INTITULÁVEL

“É certo que, a praticar desse modo a leitura como arte, faz-se preciso algo que precisamente em nossos dias está bem esquecido – e que exigirá tempo, até que minhas obras sejam 'legíveis' -, para o qual é imprescindível ser quase uma vaca e não um homem 'moderno': o ruminar ...”

FRIEDERICH NIETZSCHE, em Sils-Maria, em julho de 1887



A minha ideia inicial era escrever um texto sobre o 'ato de ler', dando continuidade aos textos já postados: 'o ato de pensar' e 'o ato de escrever'. Mas refletindo sobre a temática, concluí que a leitura é algo muito superior a um simples ato. E tive a certeza ao me deparar com o discurso expresso acima, lendo o prólogo de Genealogia da Moral, livro do próprio Nietzsche. O ato de ler é trivial. Não quero retirar a beleza do processo de alfabetização de uma pessoa. Mas, infelizmente, apenas aprender a ler não é suficiente. Como diz Mário Quintana, o verdadeiro analfabeto é aquele que aprende a ler e não lê. O hábito da leitura é escasso em nosso país. Rubem Alves dizia ousadamente que ler é fazer amor com as palavras. Voltaire constantemente relatava que a leitura engrandecia a sua alma. Já ouvi muitos dizendo que a leitura dá poder ao homem. Acho que por isso Mao-Tsé-Tung afirmava que ler demasiados livros é perigoso. Para mim nunca foi perigoso. Gandhi dizia que ler vem antes de escrever e Fernando Pessoa que ler é sonhar pela mão de outrem. Com eles eu concordo. Recentemente, a mídia globista fez uma intensa campanha intitulada de 'ler também é um exercício'. Immanuel Kant, outro grande expoente da filosofia alemã, já havia afirmado no século XVIII que uma leitura alegre é tão útil à saúde como o exercício do corpo. Há uma inequívoca coerência nestes pensamentos, mas continuo crendo numa arte de ler, que desemboque numa interpretação plena e numa reflexão ampliadora de horizontes. Henry David Thoreau, filósofo americano do século XIX, afirmou ter começado uma nova era em sua vida após a leitura de um livro. Eis o poder da leitura. A vida é curta demais para eu ler todo o grosso dicionário a fim de por acaso descobrir a palavra salvadora – afirmou categoricamente Clarice Lispector. Eu tive a audácia de ler um minidicionário, mas ainda continuo a procura dos verbetes arrebatadores. Ler e escrever por si, não são educação. A compreensão abrangente do tempo, dos fatos e dos seres requer experiência, persistência e, em alguns casos, erudição. Tudo isso pode ser encontrado nos livros, mas nem todos que os leem conseguem enxergar. É preciso entender a dimensão do 'ruminar', citado por Nietzsche. O vocábulo tem sua semântica peculiar relacionada ao retorno do alimento já deglutido à boca, para ser novamente mastigado. Em sentido conotativo, o verbete pode ser entendido por um 'pensar profundamente'. Não se enganem: ler um texto incompreensível por dez vezes não o tornará compreensível. Com aplicação, constância e determinação pode-se alcançar a arte da leitura, mas ela nunca será derradeira. A sempre algo a aprender, o escondido a encontrar, o belo a admirar, o irrespondível a nos intrigar. Quer mergulhar na ventura do conhecimento? Dê o primeiro passo: leia!