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O NOVO ENEM


Estava lendo comentários ao Código Tributário Nacional. Era a viagem de ida ao trabalho. Estava concentrado, absorto, tentando realmente absorver o conteúdo para me sair bem na prova do concurso. Mas, como sempre, estava ligado em tudo o que se passava ao meu redor naquele cotidiano transporte coletivo. As duas pessoas sentadas atrás de mim falavam sobre a prova do Enem. Fui perdendo a concentração no que lia. Senti uma gastura – como diria minha avó. Era azia? Não sei bem, sei que era estranho. O tema do novo Enem estava me perseguindo. Tencionei escrever sobre ele quando soube do propósito do MEC em colocá-lo como vestibular nacional e único. Não sei por quais razões não levei adiante esta intenção. Depois ocorreu o trágico e inusitado vazamento da prova. Todo mundo falava nisso. Apesar de querer escrever sobre isso, acabei me abstendo. Enfim, chegou o dia da realização do tão esperado novo Enem. E eu mais uma vez estava muito envolvido: trabalhei como fiscal de sala, aplicando as provas. A ideia foi escrever um texto logo no dia seguinte ao da prova. O cansaço me abateu. A conversa que ouvi no ônibus me fez retomar o assunto em minha mente. Dialoguei com meus neurônios. Esqueci o direito tributário e me pus a pensar neste texto aqui.

Para começar, vamos analisar a evasão no ENEM 2009, que foi altíssima. Ainda não existem dados oficiais, mas cerca de 40% dos inscritos em todo o país não compareceram. Várias razões são plausíveis para tantas ausências. Um dos motivos foi o fato da maioria das universidades importantes do país terem deixado de lado a pontuação do Enem para suas respectivas seleções.Depois, o enorme descrédito que o exame ganhou após a repercussão nacional do roubo da prova. Durante a semana inúmeros boatos correram na internet, dando conta de que o gabarito havia caído na rede. Pura falácia! Na sala onde apliquei prova, a abstenção chegou a mais de 50%. Mas muita gente aqui foi pego pela diferença do horário, já que aqui não tem horário de verão. O fato é que o propósito original do ministro Fernando Haddad foi por água abaixo. O exame não cumpriu bem nenhum papel pré-definido. Para selecionar alunos para uma graduação, pode-se dizer que a prova é muito medíocre. Faltam inúmeros conteúdos relevantes que não foram abordados. Para avaliar o nível do ensino médio brasileiro (propósito original do ENEM), pode-se afirmar que a prova é simplesmente exaustiva. Ela não permite mais avaliar o nível de interpretação e raciocínio dos alunos brasileiros, porque uma prova extasiante consegue desestabilizar até o mais preparado. Vamos avaliar então o que mudou. A princípio, apenas as quantidades de questões aumentaram. Eram 63, agora são 180. Se comparado às provas dos anos anteriores, o Enem 2009 foi mais abrangente e teve mais conteúdo. Mais ainda é pouco. A prova continua basicamente sendo interpretação e raciocínio lógico, ou seja, continua um porre. O tempo é exíguo para uma prova com tantos textos para ler. Há que se ressaltar que grande parte dos textos são inúteis para a resolução das questões. Quando comparamos a prova aplicada com a que havia vazado, podemos ver que a aplicada teve um nível de dificuldade mais acentuado. O grande problema realmente foi não ter um conteúdo em foco. No final das contas, os bons alunos vão achar o Enem fácil, principalmente se eles não tiverem problema com o uso do tempo. Havia questões de matemáticas trabalhosas, que podem ser consideradas difíceis, mas os conteúdos usados era sempre básicos. A reclamação unânime é que a prova foi muito cansativa. Temos, infelizmente, o péssimo hábito da não-leitura. O inverso é a exceção. Leitura dinâmica, então é mais raro ainda. O fato é que a canseira de longos textos da prova não contribui em nada para ninguém. Ainda não entendo como o MEC pretende selecionar graduandos para o ITA,USP, UNICAMP, UFRJ, UFMG,UFBA, entre outras, com uma prova simplória como essa. O teste é na verdade o seguinte: quem lê mais rápido e usa melhor o tempo vai se sair melhor. Minha conclusão é que o novo Enem foi um fracasso.

Desejo aos colaboradores e leitores assíduos do INTITULÁVEL que tenham êxito nas provas do Enem e dos vestibulares pelo Brasil afora. Quero ver vocês numa universidade, crescendo profissionalmente e intelectualmente. Mas não se esqueçam de voltar aqui para compartilhar conosco os conhecimentos adquiridos.

Comentários

Gildson Souza disse…
Concordo plenamente com o post, mas se o ENEM foi falho, qual é a solução então para a admitir-se um aluno na Universidade? Não acredito que provas onde os alunos são obrigados a, literalmente, decorar conhecimentos e fórmulas que depois de sair da escola não irão usar pra coisa alguma ou o fim do vestibular, como já ocorre em muitos países, sejam as melhores soluções.
Enfim, post interessante. É bom saber que tem gente que ainda se preocupa em debater assuntos desse gênero, em vez de deixar que só os governantes decidam por nós.
Anônimo disse…
Gildson, seja bem-vindo ao INTITULÁVEL. Concordo que o vestibular não seja a melhor solução, mas enquanto houver mais inscritos do que vagas alguma forma de seleção terá que ser usada. Eu só não aceito que um exame enfadonho e mediano como o ENEM possa substituir todos os outros vestibulares do país. Volte sempre aqui para debatermos.

Um forte abraço.

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