Eu, provavelmente, jamais esquecerei aquela cena. Existem situações que nos maculam de tal forma que se tornam inesquecíveis. Bons momentos também são assim. Mas as catástrofes nos impressionam muito mais. Nos desastres, percebemos a nossa inocuidade. Eu, particularmente, aprendo bastante nessas circunstâncias. Em nosso mundo caótico e tenebroso, acabamos por psicoadaptar com a violência e ficamos acostumados a ela. Nada mais é horrendo, pois, infelizmente, tudo é possível e na maioria dos casos já tem um precedente. Mas eu ainda permaneço. Sim, e como ser humano me compadeço. Posso ser sentimentalóide; talvez. Mas ainda lembro que eu sempre poderia estar no lugar do meu próximo, quando ele sofre um incomensurável infortúnio. Como sempre, a escola da vida continua nos ensinando.
Estava no meu transporte cotidiano – o ônibus coletivo. O meu deslocamento era em direção a um bairro periférico, onde exercia minhas funções de trabalhador. O ônibus não estava cheio e, por sorte, eu pude viajar sentado. Assim, pude aproveitar aquele tempo lendo e estudando. Entretanto, eu não estava alheio a tudo o que ocorria ali. O medo sempre presente nos faz viajar esperando metodicamente um iminente assalto, uma inesperada batida, o fim de tudo. Também estava esperto às conversas e aos movimentos dos passageiros. Durante o trajeto, mais precisamente nas imediações de um bairro bastante violento, alguns jovens, com média de idade variando de dez a quinze anos, subiram no ônibus. Entretanto, a entrada deles não foi a usual. Os mesmos utilizaram-se das janelas. Infelizmente, era uma prática usual, da qual já estava acostumado a ver. Os garotos da periferia estavam vindo, em sua maioria, do colégio, Será que eles estavam estudando? Tiveram aula hoje? Eu me fazia perguntas. Começaram a batucada no fundão. Músicas pornofônicas – o tão popular pagode baiano. Depois, tentaram um hip-hop. O entusiasmo deles estava na hora de gritar de modo altissonante os palavrões contidos naquela canção. Naquela balbúrdia musical havia muita baderna. Os jovens perturbavam pedestres ao longo de todo o caminho percorrido pelo ônibus. A zoada era muito insuportável. Perdi a concentração de vez. Me ative então a observar tão-somente àqueles garotos. O meu ponto de chegada estava próximo. Mas um pouco antes dele chegar, o improvável - mas possível – aconteceu. Um dos jovens de cerca de treze anos arremessou pela janela um vaso contendo um líquido – suco ou urina. Até hoje não sei o que era. O fato é que ele fez isso quando ônibus estava arrastando, do mesmo modo que muitos deles já haviam feito ao longo da viagem. O líquido maldito foi direcionado na cabeça de um rapaz de meia idade. O ônibus arrastou, mas logo em seguida parou – o semáforo que estava amarelo avermelhou-se. E o jovem meliante de cor negra azulou-se. A reação foi desproporcional e inimaginável. Um tiro. Um grito. A tensão no ar. O jovem caiu ao meu lado com aquela enorme broca na sua cabeça. Não vi para onde o homem foi. Ainda não consigo conceber o porque daquela ação louca. Na minha cabeça, surgiram pensamentos tenebrosos – bem feito, quem mandou perturbar, fazer zoada e atrapalhar meus estudos. Mas minha consciência humana e religiosa me fez apagar imediatamente essas sinapses nervosas. A cena era dantesca. Não era filme. Era real. Meu Deus, e se o tiro pegasse em mim? Infelizmente, o jovem morreu na hora. Pensei em como se sentiria a mãe daquele rapaz. Ele tinha mãe? Continuei sem saber muita coisa sobre a vida dele. Mas em frações de segundos aprendi quanto esta vida é efêmera. E consegui aceitar o que tanto ouvi meu pai dizer: para morrer, basta estar vivo. E eu estou vivo.
Estava no meu transporte cotidiano – o ônibus coletivo. O meu deslocamento era em direção a um bairro periférico, onde exercia minhas funções de trabalhador. O ônibus não estava cheio e, por sorte, eu pude viajar sentado. Assim, pude aproveitar aquele tempo lendo e estudando. Entretanto, eu não estava alheio a tudo o que ocorria ali. O medo sempre presente nos faz viajar esperando metodicamente um iminente assalto, uma inesperada batida, o fim de tudo. Também estava esperto às conversas e aos movimentos dos passageiros. Durante o trajeto, mais precisamente nas imediações de um bairro bastante violento, alguns jovens, com média de idade variando de dez a quinze anos, subiram no ônibus. Entretanto, a entrada deles não foi a usual. Os mesmos utilizaram-se das janelas. Infelizmente, era uma prática usual, da qual já estava acostumado a ver. Os garotos da periferia estavam vindo, em sua maioria, do colégio, Será que eles estavam estudando? Tiveram aula hoje? Eu me fazia perguntas. Começaram a batucada no fundão. Músicas pornofônicas – o tão popular pagode baiano. Depois, tentaram um hip-hop. O entusiasmo deles estava na hora de gritar de modo altissonante os palavrões contidos naquela canção. Naquela balbúrdia musical havia muita baderna. Os jovens perturbavam pedestres ao longo de todo o caminho percorrido pelo ônibus. A zoada era muito insuportável. Perdi a concentração de vez. Me ative então a observar tão-somente àqueles garotos. O meu ponto de chegada estava próximo. Mas um pouco antes dele chegar, o improvável - mas possível – aconteceu. Um dos jovens de cerca de treze anos arremessou pela janela um vaso contendo um líquido – suco ou urina. Até hoje não sei o que era. O fato é que ele fez isso quando ônibus estava arrastando, do mesmo modo que muitos deles já haviam feito ao longo da viagem. O líquido maldito foi direcionado na cabeça de um rapaz de meia idade. O ônibus arrastou, mas logo em seguida parou – o semáforo que estava amarelo avermelhou-se. E o jovem meliante de cor negra azulou-se. A reação foi desproporcional e inimaginável. Um tiro. Um grito. A tensão no ar. O jovem caiu ao meu lado com aquela enorme broca na sua cabeça. Não vi para onde o homem foi. Ainda não consigo conceber o porque daquela ação louca. Na minha cabeça, surgiram pensamentos tenebrosos – bem feito, quem mandou perturbar, fazer zoada e atrapalhar meus estudos. Mas minha consciência humana e religiosa me fez apagar imediatamente essas sinapses nervosas. A cena era dantesca. Não era filme. Era real. Meu Deus, e se o tiro pegasse em mim? Infelizmente, o jovem morreu na hora. Pensei em como se sentiria a mãe daquele rapaz. Ele tinha mãe? Continuei sem saber muita coisa sobre a vida dele. Mas em frações de segundos aprendi quanto esta vida é efêmera. E consegui aceitar o que tanto ouvi meu pai dizer: para morrer, basta estar vivo. E eu estou vivo.
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