
Estava apressado. Temia perder o ônibus. Mas isso não ocorreu. Cheguei ao ponto já reclamando internamente. Sabia que o transporte viria cheio. Não ia haver lugar para assentar. Aliás, eu estaria contente se houvesse um lugar para eu ir em pé acomodado. Era final de tarde. Horário de pico. O ponto estava lotado. Eu pensava no trânsito, na faculdade - local para o qual me dirigia, nos problemas cotidianos e nos estresses do dia. Olhava para as pessoas ao meu lado e via nelas um semblante semelhante ao que provavelmente elas estavam a ver no meu. Elas estavam ansiosas para chegar em casa e descansar. Todos ali estavam peremptoriamente preocupados apenas com o transporte. Mas o ponto em que eu estava me privilegiou outras coisas. Estava na Barra, mais precisamente próximo ao imponente Farol da Barra. A tarde fagueira de inverno se encerrava precocemente. O sol, entre pequenos estratos e cirros, ia se pondo. Era uma bola enorme que ia se alaranjando e deslizando sobre o horizonte, que na minha limitada visão era a ilha de Itaparica. Um verdadeiro espetáculo da natureza. Por alguns instantes esqueci tudo e fiquei pasmo assinto ao belo e rotineiro pôr-do-sol. Inúmeras pessoas passavam ou se assentavam ao redor do Farol para assistir àquela contemplação. A maré estava cheia. E com sua força molhava os carros estacionados na lateral da pista e aos transeuntes que, nesse horário, passavam por ali caminhando, correndo ou passeando. Alguns paravam ali mesmo, próximo ao ponto e com suas câmeras digitais registravam a bela natureza. Provavelmente eram turistas. A hora passava e o ônibus não. Mas não notei ninguém ali no ponto vivendo o momento árcade que eu vivia. A paisagem não era bucólica, mas era fenomenal. Um vento suave, um frescor de uma maré imponente, uma imensidão azul que assombra, um gigante amarelo se desfazendo, se contorcendo, mudando de cor, sumindo. Então notei ela. A substituta. Estava no seu estágio quarto crescente. Parecia uma fina banana. Ela estava se tornando a protagonista agora. Os sensores dos postes de iluminação reagiram à escuridão que se acercava. No cartão-postal o número de pessoas se reduzia, quando a luminária do histórico Farol se acendeu. Estava extasiado com todo aquele momento generoso e gratuito. O ato gratuito de minha parte fora o de apenas observar. E eu dissequei internamente tudo o que ali vi, ouvi e senti. Nem percebi que eu já estava há cerca de uma hora esperando o ônibus que me levaria à universidade. Também não sabia eu que protestos em outros locais havia paralisado a cidade. Decidi ir para casa. E no meu reduto familiar, me obriguei a relatar aqui, mesmo que sinteticamente, os antagonismos do fim do dia.
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