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O perfume de Isabela

Quando Isabela adentrou o saguão do restaurante, eu não a vi, mas pude adivinhar-lhe a natureza dos gestos, dada a fragância de seu doce perfume que, mesmo de longe, já me invadia as narinas e fazia nascer uma sinestesia em todos os clientes que ali almoçavam. Para acontecer, o nosso encontro somente aguardou que eu recebesse o troco trazido pelo garçom, colocasse as últimas moedas na carteira e me levantasse para, com preguiça, encarar mais uma tarde de trabalho. Foi rumando para a porta que, enfim, pude notá-la, caminhando lentamente em minha direção.
Sempre que estão diante de uma mulher deslumbrante em movimento, os homens costumam retardar os seus passos, afim de aumentar os efêmeros segundos de contemplação. Eu não consegui atrasar os meus; também não consegui seguir adiante. Fiquei inerte, à espera do tombo ou da palavra que devolvesse ao meu corpo as suas funções necessárias para que eu simplesmente pudesse andar novamente. E o frescor que Isabela carregava passou a conversar comigo. Ele vinha ao meu encontro com cores suaves e retornava com um sorriso largo em sua espécie, dando recado à dona de sua magnitude, que logo lhe replicava com um sorriso sem esforço.
Desapercebido de qualquer noção do tempo, passei a habitar os cenários cheios de cores e histórias que Isabela e o seu perfume me ajudaram a construir. A rádio de minha memória tocava músicas de outros tempos e eu, embalado pelas lembranças e por aquele cheiro, reencontrei as garotas de minha juventude e relembrei cenas ardentes do cinema, como o beijo que Cristhopher Reeve (Richard Collier) dera em Elise McKenna (Jane Seymour), em "Em algum lugar do passado", filme lançado em 1980.
Sempre comentei que, se ela vier a existir, o nome de minha filha será Isabela. Imaginando-a pequenina e com traços que mais imitariam a sua mãe do que a mim, Isabela seria a mulher a quem eu desprenderia todo o amor que aprendi, ao longo dos anos.
Ninguém, até o momento em que estive presente, sabia o nome da moça do restaurante. Resolvi chamá-la de Isabela, no íntimo do meu pensamento e no conforto que me dominava o peito. Aquele perfume atravessou o tempo para manter vivo um ciclo interminável de inspirações para o amor, assim acredito. Naquele dia, ele foi de Isabela. Hoje, respingado neste texto, ele é meu: o ciclo não pode parar.

RF

Comentários

Anônimo disse…
No meio literário, falar de aroma é quase sempre inexorável. Chegou a sua vez de tocar nessa temática e com maestria você nos envolveu neste texto empolgante. Na primeira leitura, achei-o intrigante e um pouco desconexo. Na segunda, pude perceber a essência e verdadeiramente sentir o perfume de Isabela. Aliás, minto: senti mesmo em minhas narinas foi o aroma de Amanda. Mais um grande texto com sua marca, parceiro.

Um forte abraço

Tiago França

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