Nem sempre a história pode ser contada. Algumas vezes, ela se perde no tempo. Sobram vagas lembranças. Cada indivíduo é uma rede intricada. Mas também é um ser humano. Importante manter a coerência sempre. Todos estes têm o direito à vida assegurado. Têm? Acho que me enveredei pelo caminho errado. Preciso vomitar este texto que está preso em minhas entranhas. Não são fatos digestivos. Mas são verdadeiros. Se o seu estômago não aguentar, querido leitor, pode pensar que são irreais, pura ficção, invencionice da cabeça de escritor.
Ela não escreveu este diário. Ele nunca existiu. Mas não consegui acreditar nisso. Precisava de respostas. E só as encontrei na última página da agenda de Ana. Agenda essa que é uma incógnita para muitos. Para mim é real. E já estou embebido desta triste página. Vamos então às pedras duras. A partir de agora se segue o que estava escrito neste diário que só eu vi, só eu conheço e apenas eu acredito na existência dele.
Querido diário, hoje é um dia realmente intitulável. Provavelmente, daqui a algumas horas ele vai se tornar inexplicável. Pensamentos sombrios. É tudo igual como sempre. Preciso me preparar para a rotina diária. Meu amoroso e excessivamente protecionista pai irá levar-me ao colégio. Do que ele tem medo? De me perder? E para quem? Talvez tenha medo de que eu arranje um namorado muito doido, que use drogas e que só esteja a fim de curtir a vida e de fazer sexo. Coisas típicas de um adolescente de 15 anos. Mas ele me conhece bem: sou uma garota de ouro. Aliás, não. Sou uma menina feita de leite e sangue. Estou cansada do estresse constante dele. Também não suporto a ideia de que ele possua armas de fogo em casa. Ele já é um policial aposentado; para que precisa delas? Eu não entendo. Mas também não consigo dizer isso a ele. Nem a meu irmão mais velho. Ele é tão perfeitinho. Educado, amoroso, estudioso, nunca deu trabalho algum - como diria minha mãe. Aos 21 anos de idade ele já está próximo de concluir seu bacharelado em Direito numa universidade federal. Dele decorre toda a pressão sobre mim. Preciso ser melhor que ele, ou pelo menos igual. Sou uma amante da música clássica e erudita, mas normalmente descarrego minha tensão ouvindo Radiohead ou U2. Herdei de minha mãe um gênio artístico. Aprendi a gostar da pintura e tentar no meu emaranhado de cores revelar o meu sofrimento interno. Nem minha mãe que é tão amiga minha me entende. Não gosto de coisas caras. Nunca gostei de pagar muito por algo que se pode comprar mais barato. Não posso reclamar de falta de nada. Sempre tive tudo. Família, roupa, comida, tecnologia, um bom colégio. Quantas aqui em Curitiba não dariam tudo para estar em meu lugar. Mas de vez em quando me entedio. Acho tudo monótono. Me sinto só. Vem a depressão. Me sinto desmotivada para tudo, principalmente para viver. Tem uma dor lá no fundo que não sei explicar. Quero matá-la. Extirpá-la. Falei meio sorrateiramente sobre isso a meus pais e acabei em sessões com um psiquiatra. Ele também não me entende. Aliás, quem pode me entender? Acordei com ânimo para me livrar de vez desta agonia. Talvez a minha solução seja absurda para muitos. A sociedade não irá me entender. Será que serei manchete de jornal ou revista? Ou serei apenas mais um número nas negativas estatísticas? Não tenho certeza. Sei que me decidi. Lá no fundo tem uma incerteza, mas minha personalidade é forte. Não há outra coisa a fazer. Não vou pedir socorro a ninguém mais. Já vi o suficiente deste mundo - por 15 anos. Não quero me matar. Meu desejo é matar a angústia que há algumas semanas não me deixa. Alguns vão achar que foi imaturidade, falta de informação. Muitos acham que suicídio é caso de saúde pública. Mas o que se passa na minha cabeça agora só eu sei.Chegou a hora de transformar as palavras em realidade. Os motivos não vão ficar claros e explícitos para ninguém. Apenas eu, Ana, saberei.
Após tomar café com seus pais, Ana sorrateiramente pegou o revólver Taurus, calibre 38, de seu pai. Estava em um lugar difícil, mas não impossível de pegar. Colocou-o em sua mochila sempre pesada com livros e cadernos. Seu rosto era o mesmo de todos os dias. Seu pai a deixou na frente do seu colégio e combinou com ela a hora do retorno. Ela adentrou na escola, mas se dirigiu para uma ala universitária que, nesse horário, estava deserta. Foi para o banheiro. Sentou-se no vaso. Apontou o revólver para a sua boca. Não hesitou. Com um disparo calou aquela voz que tanto a fazia sofrer internamente. Aquela adolescente - doce, de pele branquinha feito leite e belos cabelos lisos e escuros - estava agora ensangüentada. Calada para sempre.
Ela não escreveu este diário. Ele nunca existiu. Mas não consegui acreditar nisso. Precisava de respostas. E só as encontrei na última página da agenda de Ana. Agenda essa que é uma incógnita para muitos. Para mim é real. E já estou embebido desta triste página. Vamos então às pedras duras. A partir de agora se segue o que estava escrito neste diário que só eu vi, só eu conheço e apenas eu acredito na existência dele.
Querido diário, hoje é um dia realmente intitulável. Provavelmente, daqui a algumas horas ele vai se tornar inexplicável. Pensamentos sombrios. É tudo igual como sempre. Preciso me preparar para a rotina diária. Meu amoroso e excessivamente protecionista pai irá levar-me ao colégio. Do que ele tem medo? De me perder? E para quem? Talvez tenha medo de que eu arranje um namorado muito doido, que use drogas e que só esteja a fim de curtir a vida e de fazer sexo. Coisas típicas de um adolescente de 15 anos. Mas ele me conhece bem: sou uma garota de ouro. Aliás, não. Sou uma menina feita de leite e sangue. Estou cansada do estresse constante dele. Também não suporto a ideia de que ele possua armas de fogo em casa. Ele já é um policial aposentado; para que precisa delas? Eu não entendo. Mas também não consigo dizer isso a ele. Nem a meu irmão mais velho. Ele é tão perfeitinho. Educado, amoroso, estudioso, nunca deu trabalho algum - como diria minha mãe. Aos 21 anos de idade ele já está próximo de concluir seu bacharelado em Direito numa universidade federal. Dele decorre toda a pressão sobre mim. Preciso ser melhor que ele, ou pelo menos igual. Sou uma amante da música clássica e erudita, mas normalmente descarrego minha tensão ouvindo Radiohead ou U2. Herdei de minha mãe um gênio artístico. Aprendi a gostar da pintura e tentar no meu emaranhado de cores revelar o meu sofrimento interno. Nem minha mãe que é tão amiga minha me entende. Não gosto de coisas caras. Nunca gostei de pagar muito por algo que se pode comprar mais barato. Não posso reclamar de falta de nada. Sempre tive tudo. Família, roupa, comida, tecnologia, um bom colégio. Quantas aqui em Curitiba não dariam tudo para estar em meu lugar. Mas de vez em quando me entedio. Acho tudo monótono. Me sinto só. Vem a depressão. Me sinto desmotivada para tudo, principalmente para viver. Tem uma dor lá no fundo que não sei explicar. Quero matá-la. Extirpá-la. Falei meio sorrateiramente sobre isso a meus pais e acabei em sessões com um psiquiatra. Ele também não me entende. Aliás, quem pode me entender? Acordei com ânimo para me livrar de vez desta agonia. Talvez a minha solução seja absurda para muitos. A sociedade não irá me entender. Será que serei manchete de jornal ou revista? Ou serei apenas mais um número nas negativas estatísticas? Não tenho certeza. Sei que me decidi. Lá no fundo tem uma incerteza, mas minha personalidade é forte. Não há outra coisa a fazer. Não vou pedir socorro a ninguém mais. Já vi o suficiente deste mundo - por 15 anos. Não quero me matar. Meu desejo é matar a angústia que há algumas semanas não me deixa. Alguns vão achar que foi imaturidade, falta de informação. Muitos acham que suicídio é caso de saúde pública. Mas o que se passa na minha cabeça agora só eu sei.Chegou a hora de transformar as palavras em realidade. Os motivos não vão ficar claros e explícitos para ninguém. Apenas eu, Ana, saberei.
Após tomar café com seus pais, Ana sorrateiramente pegou o revólver Taurus, calibre 38, de seu pai. Estava em um lugar difícil, mas não impossível de pegar. Colocou-o em sua mochila sempre pesada com livros e cadernos. Seu rosto era o mesmo de todos os dias. Seu pai a deixou na frente do seu colégio e combinou com ela a hora do retorno. Ela adentrou na escola, mas se dirigiu para uma ala universitária que, nesse horário, estava deserta. Foi para o banheiro. Sentou-se no vaso. Apontou o revólver para a sua boca. Não hesitou. Com um disparo calou aquela voz que tanto a fazia sofrer internamente. Aquela adolescente - doce, de pele branquinha feito leite e belos cabelos lisos e escuros - estava agora ensangüentada. Calada para sempre.
Comentários
Abraço
Muitas vezes achamos absurda a idéia de suicídio- e até pode ser- mas, quando se tem depressão ou algo difícil não é muito possível pensar em outra coisa. Muitas vezes preferimos não ficar mais nesse mundo porque é uma verdade incontestável que viver é difícil.
A morte é "boa", fácil. Por isso, queremos fugir daqui, do difícil, do inseguro, de nossos problemas.
Mais uma vez parabéns! O Intitulável está cada vez melhor!
RF
Um forte abraço,
Tiago França