Pular para o conteúdo principal

O DIA EM QUE A CIDADE DE SALVADOR PAROU – CRÔNICA DO CAOS


Para mim, o dia começou normal. Eu sabia que a previsão metereológica dizia que ia chover muito. Mas sabia também que nem sempre eles acertam, afinal, previsão não é certeza. Como saí cedo, não tive de problemas para me deslocar. A manhã passou e o céu se abriu. Foi um derramar constante. Precipitações indesejadas. Muita água! Parecia um dilúvio.

É fato que Salvador é uma cidade desorganizada e altamente despreparada para os fenômenos climáticos. Mas ela não é a única no Brasil. Entretanto, mais uma vez, as autoridades locais demoraram a agir e natureza ditou o seu ritmo. Após cerca de quatro horas de chuvas incessantes, Salvador parou. Engarrafamentos intermináveis. Sistema de telefonia em pane. Deslizamentos de terra. Córregos transbordando. Ruas extremamente alagadas. O caos estava instalado.

Eu já me dava conta da loucura. Mesmo assim, tencionei seguir minha rotina. Contudo, me arrependi da minha boa vontade. Foram quarenta minutos aguardando o ônibus. Depois, 2 horas e meia dentro do coletivo lotado, sem ao menos chegar na metade do trajeto. Meus contatos por celular me deixavam a par da balbúrdia em que a cidade estava. Foram estes telefonemas também que me alertaram sobre o cancelamento das aulas em minha faculdade. Resolvi descer. Andei. Suei. Queria chegar em casa. Em uma hora de caminhada, me desloquei mais do que no tempo perdido dentro do ônibus. Ainda fiz a loucura de atravessar a famigerada Baixa do Fiscal, com a água escura batendo um pouco acima de meu joelho, sem saber onde pisava, sendo ajudado por meninos de rua para não descer por um bueiro.

A minha sina não foi tão distinta da maioria dos soteropolitanos no dia de ontem. O saldo final foi mais tristonho: três mortes em um soterramento e duas mortes por afogamento em um córrego. Lama e sujeira. Medo e terror. Casas condenadas. Morros na iminência de catástrofes. Quem foi o culpado? Como no Jardim do Éden, cada um arranja o seu bode espiatório. Seria Deus o responsável? Ou São Pedro? – como acreditam muitos. Alguns culpam o prefeito João Henrique. Outros o governador. Há quem condene o presidente da república e até mesmo os gestores passados da cidade. Eu acredito que somos todos culpados. O alerta já havia sido dado. A chuva em quantidade, nesse mês é comum por aqui. Mas as precipitações desordenadas e abruptas têm origem no aumento da temperatura do Oceano Atlântico, como afirmam alguns pesquisadores. Ou seja, o aquecimento global continua mostrando a cara. E se não tomarmos uma posição, logo ele mostrará todo o seu corpo. Reflitamos, pois.

Comentários

Rafael França disse…
Tudo foi muito bem colocado neste seu oportuno texto. O que estamos a presenciar em Salvador - desde o último sábado - é alarmante. E não restam dúvidas de que as chuvas que caem sobre o nordeste do país têm origem nas complexas consequencias do aquecimento global, assim como também o tão batido desmatamento na amazônia pode ser uma explicação. Mas tudo ainda é uma grande incógnita até mesmo para os mais sábios geográfos do País. Me restou apenas reforçar algo que você também mencionou: a solidariedade presente em pequenos gestos, como o dos meninos de rua. Foi o que restou de positivo no ar gelado que dominou a cidade. Vi taxistas sugerindo a passageiros que tomassem ônibus e seguissem rotas alternativas, em detrimento do ganho fácil proporcionado pela lentidão do tráfego. Em cada guarda-chuva coube mais um e, pela primeira vez em muitos anos, eu vi o homem aprendendo, em silêncio, a respeitar a natureza. Tomara que não seja tarde demais.

RF
Gabriel França disse…
A cidade parou mesmo! Foi comprovado, mais uma vez, que a nossa capital não está preparada para a chuva. Terça-feira foi um caos! Trânsito congestionado, casas em situação de risco e algumas mortes. O resultado dessa chuva foi realmente trágico.
Aprendi, com essa chuva, a não desafiar mais a natureza.
Vamos torcer por dias melhores!
Abraço!

Postagens mais visitadas deste blog

EDMÉIA WILLIAMS - UM EXEMPLO DE FORÇA E CORAGEM

Vivemos em um mundo altamente egoísta. São raras as ações de humanitarismo e solidariedade. Por isso mesmo, elas merecem grande destaque. São poucos os relatos de pessoas que abandonam o seu cotidiano e a sua comodidade para contribuírem para o bem-estar do próximo. A “personalidade da semana” do INTITULÁVEL é uma dessas exceções da sociedade hodierna. Edméia Willians nasceu em Santarém, interior do Pará. Entretanto, sua família migrou para Salvador, na Bahia, onde ela passou a maior parte de sua vida. Aqui ela cresceu, realizou seus estudos, se casou, constitui família e obteve os bacharelados em Pedagogia, Filosofia, Psicologia e Música. A sua vida era normal, como de muitos. Passou a morar no Rio de Janeiro, devido ao emprego de seu marido. Chegou até a morar no Iraque, ainda na época de Sadan, também por motivos profissionais relativos ao seu esposo. Tudo transcorria normalmente até que duas tragédias mudaram a história de sua vida. Em um período muito curto, Edméia perdeu o seu es

POR DENTRO DA CAIXA DE PANDORA

Mais uma operação da Polícia Federal. Seu nome: CAIXA DE PANDORA. Os resultados: corrupção, caixa dois, mensalão. Envolvidos: José Roberto Arruda (DEM) - governador do Distrito Federal , Paulo Octávio (DEM) - vice-governador, Durval Barbosa (o delator) - secretário de Relações Institucionais do Distrito Federal e mais uma corja enorme de deputados distritais corruptos. E o que podemos aprender com tudo isso? Vamos começar pelo excêntrico nome da operação policial. Pandora é uma personagem da mitologia grega, considerada a primeira mulher, filha primogênita de Zeus. A famosa Caixa de Pandora era usada por ela para guardar lembranças e a sua mente. A tragédia aconteceu quando ela guardou lá um colar que seu pai havia dado a ela. A caixa não podia guardar bens materiais e por isso o colar foi destruído. Pandora entra em depressão e tenta dar fim na caixa, mas ela era indestrutível. Por fim, ela se mata, por não conseguir continuar vivendo carregando aquela maldição. Comumente, a expres

TELA AZUL

Meu recente deslumbramento com a qualidade dos livros de Fernanda Torres permitiu que eu olhasse o livro da Maitê (É duro ser cabra na Etiópia) com olhar caridoso, adquirindo-o para o longínquo voo. A leitura diferente e intrigante, com textos de vários autores desconhecidos, rememorou em mim que o meu prazer de ler sempre foi equivalente ao de escrever. Apesar da voracidade para acabar o livro, a rinite estava atacada. Além disso, os últimos dias haviam sido bem cansativos. Decidi, então, tentar cochilar. Fone no ouvido, voo de cruzeiro. O barulho das crianças no assento de trás não era mais tão perceptível. O avião estava acima da enorme nebulosidade e eu observei a luminosidade variando na asa para avaliar possíveis turbulências. Tudo planejado, era hora de tentar dormir, coisa rara para mim em voos. Entre as variadas cochiladas, a mente tentava conciliar o descanso exigido e a consciência plena da situação. Num dos lampejos, após tornar a fechar os olhos, vi tudo azul.