Segundo estudos muito antigos que, marcados em nossos relógios, ainda permanecem como absoluta verdade, já é madrugada. Nela, as lágrimas que tocam o chão das ruas e inundam a cidade podem ser ouvidas da janela, enquanto o barulho do ventilador, no meu quarto, tenta embalar a máquina de sonhos instalada em minha mente. Mas como sou um contumaz desafiador da escuridão noturna, ainda permaneço acordado. Há dias - como hoje - que, a cultuar os mistérios que se escondem lânguidos sob a tímida luz da lua, não consigo dormir sem antes rememorar casos e imaginar novas vidas.
Preocupado com o horário - terei que acordar cedo para trabalhar - e constantemente alertado pelo meu corpo fatigado - já fisiologicamente ansioso por um repouso -, navego relutantemente pelo Google, em busca de inspirações para a criação do personagem que protagonizará o meu próximo texto. O site do Google que, aliás, deve ser a página principal de todos os internautas: a sua praticidade e a sua riqueza permitem uma exploração do universo sem precedentes. Com mouse e teclado nas mãos, visito histórias e hérois de outros tempos, vejo as melhores fotografias do mundo e leio trechos de livros de grandes escritores. Até que, para a minha surpresa, bem longe da tela do computador e das caixas de som ligadas ao subwoofer ouço, do lado de fora do quarto, um grunhido grave e rastejante, exatamente como as horas que, agora lamento, teimam em retardar o nascimento do dia de amanhã.
"Gabriel, Gabrieel, Gabrieeel...!", é o que eu gritaria agora para acordar o meu irmão, não fosse o meu corpo gélido e estático, refém daquele chamado litúrgico, repetido a cada exatos cinco segundos. E todo o meu quarto, agora completamente escuro, também ouve respeitosamente o assobio que vem dos arredores. Eu não ouço outros gritos nas ruas; ouço aquela voz, cada vez mais sussurrante e cada vez mais próxima.
Com a frase "tu és responsável por aquilo que cativas", lembro-me do pequeno príncipe de Antoine de Saint-Exupéry e logo desperto para a necessidade de transformar a adversidade em êxito. "Eu provoquei a sua existência. Levantar-me-ei contra a escuridão e contra aquele som gutural", concluo e idealizo, respectivamente. Levanto e dou o primeiro passo. "Isso deve ser só um novo soprar dos ventos", imagino, já de pé. Ele responde ainda mais ultrajante, desta vez. "Isso não me intimidará. Vou encará-lo de vez. Correrei e abrirei a porta. Ele não deve estar longe". Os pensamentos não têm total autoridade sobre o corpo, agora acredito, ao perceber-me ainda parado, defronte àquilo que ainda deve ser o meu computador.
Ainda em pé e no mesmo lugar, percebo que não será preciso abrir a porta para ir ao encontro daquele chamado: já sinto o vento gelado que invade o quarto e ouço o rangido da porta sendo aberta. O som está ainda mais próximo. Ele agora é mais intenso e quase ensurdecedor. "Ele está aqui", tremo, ou melhor, penso. A sua onomatopéia indescritível está agora mais rápida. Agora o ouço a cada três segundos. Dois. Um. O incômodo já tornou-se constante e a única variação que ainda existe é a sua distância. E ele chega mais perto. Aproxima-se, enfim. Ouço um barulho enorme. Instintivamente, abro os olhos e...
Sentado no alto de uma montanha, vejo agora reanimados, num cenário verde e iluminados pelo sol, os personagens e os autores de outrora, movendo-se em direção à sombra fresca de uma imensa árvore. "Fui transportado do quarto escuro ao paraíso", comemoro. Sinto um peso nas mãos e, ao olhá-las curioso, encontro um lápis e um papel todo rabiscado. Olho mais de perto e, incrédulo, me deparo com todas as palavras desta crônica. "Preciso findá-la", acredito, segurando o lápis e o papel com força, como quem faz uma prece e um agradecimento pela sua salvação. Sento-me, então, para executar a tarefa, enquanto o personagem da minha futura estória, ao longe, me observa e, sorrindo como quem conhece os mistérios da meia-noite há muito tempo, duvida da minha capacidade de trazê-lo à tona, já que fui incapaz de vencer um simples barulho de ventilador.
RF
Preocupado com o horário - terei que acordar cedo para trabalhar - e constantemente alertado pelo meu corpo fatigado - já fisiologicamente ansioso por um repouso -, navego relutantemente pelo Google, em busca de inspirações para a criação do personagem que protagonizará o meu próximo texto. O site do Google que, aliás, deve ser a página principal de todos os internautas: a sua praticidade e a sua riqueza permitem uma exploração do universo sem precedentes. Com mouse e teclado nas mãos, visito histórias e hérois de outros tempos, vejo as melhores fotografias do mundo e leio trechos de livros de grandes escritores. Até que, para a minha surpresa, bem longe da tela do computador e das caixas de som ligadas ao subwoofer ouço, do lado de fora do quarto, um grunhido grave e rastejante, exatamente como as horas que, agora lamento, teimam em retardar o nascimento do dia de amanhã.
"Gabriel, Gabrieel, Gabrieeel...!", é o que eu gritaria agora para acordar o meu irmão, não fosse o meu corpo gélido e estático, refém daquele chamado litúrgico, repetido a cada exatos cinco segundos. E todo o meu quarto, agora completamente escuro, também ouve respeitosamente o assobio que vem dos arredores. Eu não ouço outros gritos nas ruas; ouço aquela voz, cada vez mais sussurrante e cada vez mais próxima.
Com a frase "tu és responsável por aquilo que cativas", lembro-me do pequeno príncipe de Antoine de Saint-Exupéry e logo desperto para a necessidade de transformar a adversidade em êxito. "Eu provoquei a sua existência. Levantar-me-ei contra a escuridão e contra aquele som gutural", concluo e idealizo, respectivamente. Levanto e dou o primeiro passo. "Isso deve ser só um novo soprar dos ventos", imagino, já de pé. Ele responde ainda mais ultrajante, desta vez. "Isso não me intimidará. Vou encará-lo de vez. Correrei e abrirei a porta. Ele não deve estar longe". Os pensamentos não têm total autoridade sobre o corpo, agora acredito, ao perceber-me ainda parado, defronte àquilo que ainda deve ser o meu computador.
Ainda em pé e no mesmo lugar, percebo que não será preciso abrir a porta para ir ao encontro daquele chamado: já sinto o vento gelado que invade o quarto e ouço o rangido da porta sendo aberta. O som está ainda mais próximo. Ele agora é mais intenso e quase ensurdecedor. "Ele está aqui", tremo, ou melhor, penso. A sua onomatopéia indescritível está agora mais rápida. Agora o ouço a cada três segundos. Dois. Um. O incômodo já tornou-se constante e a única variação que ainda existe é a sua distância. E ele chega mais perto. Aproxima-se, enfim. Ouço um barulho enorme. Instintivamente, abro os olhos e...
Sentado no alto de uma montanha, vejo agora reanimados, num cenário verde e iluminados pelo sol, os personagens e os autores de outrora, movendo-se em direção à sombra fresca de uma imensa árvore. "Fui transportado do quarto escuro ao paraíso", comemoro. Sinto um peso nas mãos e, ao olhá-las curioso, encontro um lápis e um papel todo rabiscado. Olho mais de perto e, incrédulo, me deparo com todas as palavras desta crônica. "Preciso findá-la", acredito, segurando o lápis e o papel com força, como quem faz uma prece e um agradecimento pela sua salvação. Sento-me, então, para executar a tarefa, enquanto o personagem da minha futura estória, ao longe, me observa e, sorrindo como quem conhece os mistérios da meia-noite há muito tempo, duvida da minha capacidade de trazê-lo à tona, já que fui incapaz de vencer um simples barulho de ventilador.
RF
Comentários
Um forte abraço
Tiago França