Duprat, em silêncio, está sozinho. Diferentemente da última noite, agora ninguém o vê chorar. Naquela ocasião, tivera, antes de entrar em prantos, um diálogo nada mais que instintivo com um interlocutor:
- Acabou? - ele, esperançoso, indagou.
- Sim - num tom firme, ela respondeu.
Entreolhar-se-iam depois, não fosse a bala que, sem o menor respeito ao tempo mínimo necessário para que o breve silêncio mútuo daqueles dois pudesse preparar o ambiente para as suas palavras mais felizes, atingira, de surpresa, o lado direito do peito dela. O corpo tombado ao chão era o de Nicole.
Nicole, minutos antes de sofrer o assassinato, estivera na casa de Rick para torná-lo seu futuro ex-namorado. Terminar o namoro foi uma decisão que havia tomado após ter conhecido, gradualmente, o mundo de Duprat.
No primeiro encontro dos dois, foi o braço de Duprat que, erguido, convidou Nicole a levantar-se do chão, após ter sido atirada e largada por Rick na saída de um shopping center.
- Você está bem? Se machucou? - nas perguntas mais propícias para o momento, estavam as primeiras palavras de Duprat para Nicole.
- É sempre assim. Ele sempre faz isso. Estou bem, moço - disse Nicole, antes de agradecer-lhe com um tímido e vergonhoso olhar e correr, novamente, ao encontro de Rick.
Mas não deu tempo. Rick tomou o seu ônibus e Nicole, a poucos metros e poucos segundos de distância, não o alcançou. Pouco depois, aproximou-se Duprat com a comoção e a curiosidade a habitarem, concomitantemente, o seu rosto. Após algumas palavras, mergulhadas em relatos, conselhos e lamentações, nasceram os primeiros sorrisos entre Duprat e Nicole. No ponto de ônibus em que a rotatividade constante enche o lugar de novos rostos a cada dez ou quinze minutos, aqueles dois eram, sem perceberem, os únicos que ali já estavam há mais de uma hora. Dali em diante, conheceram-se, gostaram-se e desejaram-se um ao outro. Os reencontros que sucederam a este primeiro momento, abstratos, imploravam para acontecerem. E aconteceram.
A conquista da liberdade era, à partir de então, o maior anseio de Nicole. Conhecia o namorado que tinha. Pensara, momentos antes de decidir-se por findar o relacionamento, em desistir da idéia. Sabia, com base no histórico do seu namoro de dois anos, o quão difícil seria para Rick conceber uma separação. Sentiu medo. Calafrios. Planejou gritar, se necessário fosse. Seria firme. Diria a verdade. Partiu, enfim, com a mesma disposição que teria para encontrar Duprat, em seguida. Chegou e disse. Sentiu-se livre. Na volta, não correu, mas adiantou alguns passos. A poucos metros encontraria a sua volátil felicidade. A boa sensação seria fugaz: permitir-lhe-ia apenas acreditar na vida mais uma vez. Sangraria, logo em seguida.
Na praça em que estavam sentados a iniciar o relacionamento, Rick encontrou espaço para mirar naquela que possuíra desde o momento em que ela o convidara para dançar na sua festa de aniversário de quinze anos, quando ele ainda era um garoto apaixonado pela sua candura de menina. Mas Rick, ostentando a posição de namorado de Nicole, foi cedendo, aos poucos, à prepotência peculiar à sua espécie. De um garoto sagaz, galanteador e que andava sempre com um topete no cabelo e os braços torneados pelos exercícios físicos matinais, tornou-se um homem - ao menos sentia-se homem - formado pelos preceitos impostos pela sociedade, principalmente o de que os homens devem sobressair-se sobre as mulheres. Para ele, não foi difícil puxar o gatilho. Puxou, então. Atirou contra o direito à vida e à favor das estatísticas criminais. Seria só mais um caso, entre muitos.
No país em que vigora a lei "Maria da Penha", casos semelhantes ganham os jornais diariamente. O ciúme, o desejo incontrolável pelo álcool e o sentimento de posse presentes em maridos, amantes, namorados e ex-namorados, são os traços que, majoritariamente, definem os perfis dos agressores. O silêncio de Duprat agora é interrompido para que este conto faça um coro contra as agressões remetidas às mulheres deste país. E Duprat, mesmo ciente de ser ele um protagonista de uma estória, escora-se triste num canto deste texto, sozinho, enquanto as palavras que escrevi tentam consolá-lo.
RF
- Acabou? - ele, esperançoso, indagou.
- Sim - num tom firme, ela respondeu.
Entreolhar-se-iam depois, não fosse a bala que, sem o menor respeito ao tempo mínimo necessário para que o breve silêncio mútuo daqueles dois pudesse preparar o ambiente para as suas palavras mais felizes, atingira, de surpresa, o lado direito do peito dela. O corpo tombado ao chão era o de Nicole.
Nicole, minutos antes de sofrer o assassinato, estivera na casa de Rick para torná-lo seu futuro ex-namorado. Terminar o namoro foi uma decisão que havia tomado após ter conhecido, gradualmente, o mundo de Duprat.
No primeiro encontro dos dois, foi o braço de Duprat que, erguido, convidou Nicole a levantar-se do chão, após ter sido atirada e largada por Rick na saída de um shopping center.
- Você está bem? Se machucou? - nas perguntas mais propícias para o momento, estavam as primeiras palavras de Duprat para Nicole.
- É sempre assim. Ele sempre faz isso. Estou bem, moço - disse Nicole, antes de agradecer-lhe com um tímido e vergonhoso olhar e correr, novamente, ao encontro de Rick.
Mas não deu tempo. Rick tomou o seu ônibus e Nicole, a poucos metros e poucos segundos de distância, não o alcançou. Pouco depois, aproximou-se Duprat com a comoção e a curiosidade a habitarem, concomitantemente, o seu rosto. Após algumas palavras, mergulhadas em relatos, conselhos e lamentações, nasceram os primeiros sorrisos entre Duprat e Nicole. No ponto de ônibus em que a rotatividade constante enche o lugar de novos rostos a cada dez ou quinze minutos, aqueles dois eram, sem perceberem, os únicos que ali já estavam há mais de uma hora. Dali em diante, conheceram-se, gostaram-se e desejaram-se um ao outro. Os reencontros que sucederam a este primeiro momento, abstratos, imploravam para acontecerem. E aconteceram.
A conquista da liberdade era, à partir de então, o maior anseio de Nicole. Conhecia o namorado que tinha. Pensara, momentos antes de decidir-se por findar o relacionamento, em desistir da idéia. Sabia, com base no histórico do seu namoro de dois anos, o quão difícil seria para Rick conceber uma separação. Sentiu medo. Calafrios. Planejou gritar, se necessário fosse. Seria firme. Diria a verdade. Partiu, enfim, com a mesma disposição que teria para encontrar Duprat, em seguida. Chegou e disse. Sentiu-se livre. Na volta, não correu, mas adiantou alguns passos. A poucos metros encontraria a sua volátil felicidade. A boa sensação seria fugaz: permitir-lhe-ia apenas acreditar na vida mais uma vez. Sangraria, logo em seguida.
Na praça em que estavam sentados a iniciar o relacionamento, Rick encontrou espaço para mirar naquela que possuíra desde o momento em que ela o convidara para dançar na sua festa de aniversário de quinze anos, quando ele ainda era um garoto apaixonado pela sua candura de menina. Mas Rick, ostentando a posição de namorado de Nicole, foi cedendo, aos poucos, à prepotência peculiar à sua espécie. De um garoto sagaz, galanteador e que andava sempre com um topete no cabelo e os braços torneados pelos exercícios físicos matinais, tornou-se um homem - ao menos sentia-se homem - formado pelos preceitos impostos pela sociedade, principalmente o de que os homens devem sobressair-se sobre as mulheres. Para ele, não foi difícil puxar o gatilho. Puxou, então. Atirou contra o direito à vida e à favor das estatísticas criminais. Seria só mais um caso, entre muitos.
No país em que vigora a lei "Maria da Penha", casos semelhantes ganham os jornais diariamente. O ciúme, o desejo incontrolável pelo álcool e o sentimento de posse presentes em maridos, amantes, namorados e ex-namorados, são os traços que, majoritariamente, definem os perfis dos agressores. O silêncio de Duprat agora é interrompido para que este conto faça um coro contra as agressões remetidas às mulheres deste país. E Duprat, mesmo ciente de ser ele um protagonista de uma estória, escora-se triste num canto deste texto, sozinho, enquanto as palavras que escrevi tentam consolá-lo.
RF
Comentários
Parabéns pelo excelente texto. Texto que nos traz um assunto que tem mesmo caído no esquecimento alheio. Mulheres são agredidas a todo tempo no mundo inteiro e poucas pessoas se interessam em publicar algo sobre o assunto. Parabéns pela iniciativa!
Eu simplesmente estou sem palavras para dizer o quanto achei INCRÍVEL e MUITO bom o seu texto. Só posso parabenizá-lo pois, de mais nada serei capaz de dizer e até mesmo não faria justiça ao que você realmente merece ouvir ou ler. (rs)
BeijOs*. Jaque.
Estou gostando muito do ritmo frenético de textos... voutentar contribuir também.
Obrigado, Jaque, mais uma vez por nos prestigiar.
Abraços a todos
Tiago França
E de certa forma concordo com Tiago, não somos tão frágeis assim, muito pelo contrário, mas isso é tema para o próximo texto sobre as mulheres que garanto que você escreverá. Fora o prazer de falar do mundo feminino.
Um abraço.
parabens a voces
abraço
Inferiorizá-las sempre foi um erro. BASTA!