Ontem pela manhã, como de costume, acordei às oito horas e fui direto para a sala deitar-me no sofá para ter o meu segundo sono. Depois liguei a tevê para lograr da mistura do seu áudio com o formidável barulho do ventilador - esta junção me permite, quando ainda estou semi-adormecido, definir o roteiro que terão os meus sonhos que, guiados pelas palavras "proferidas" pela tevê, assumem sempre uma conotação fictícia e mirabolante. Mas desta vez, uma notícia - repetida infinitas vezes - tirara o meu prazer do cochilo. Então despertei de vez. Quis me livrar logo daquele noticiário infeliz. A minha briga com o controle remoto durara quase dois minutos. Quase todos os canais mostravam - invariavelmente - o que eu já não tinha mais o menor saco para ver: o desfecho do fatídico seqüestro de Santo André.
Como uma exceção à regra, eu não tenho a menor vontade de atirar pedras no mais novo carrasco do povo brasileiro. Culpá-lo por quê? Culpo, sim, à mídia com a sua mania insaciável de construir heróis e vilões no nosso fantasiado imaginário social. Já estava demorando a aparecer um "atrativo" à altura do caso Nardoni - referência ao bárbaro assassinato cometido à menina Isabela Nardoni no mês de março deste ano, em São Paulo. Eis que ele chegou e, desta vez, com uma novidade: aconteceu tudo ao vivo, como num "reality show". Soube por amigos que até a loiríssima Ana Maria Braga - ao vivo - ajudou na tentativa de negociação com o seqüestrador, o jovem Lindemberg Alves.
A mídia expôs aos nossos olhos o "durante" e o "depois", mas permita-me - munido da minha exagerada mania de perseguição - perguntar: onde estava a mídia no "antes de tudo acontecer"? Ela, a mídia - leia-se jornais, revistas, programas de televisão e sites de notícias vinte e quatro horas por dia -, me é a principal culpada por tudo. Ela esteve presente em todo o momento. Aguçou a população: criou especulações, promoveu um verdadeiro circo e parecia vangloriar-se por incitar o culto à desgraça alheia que o brasileiro reza em todos os dias da sua vida. Mas ela esqueceu (esqueceu?) que ali, naquele apartamento fechado e - momentaneamente - mais atraente que uma "espiadinha" no adormecido BBB, também havia uma tevê. A mesma tevê que, sob os olhares agitados do jovem seqüestrador, criou o clima de tensão que o levou a apertar o gatilho contra as suas vítimas. E se a notoriedade alcançada pelo menino (ex-namorado da menina, incompreendido pelo mundo e sofredor) não atingisse tamanha dimensão? E se a polícia - despreparada ao extremo - não vendesse as informações e não cedesse tanto espaço? Acredito que aquela porta seria reaberta na manhã seguinte com a serenidade presente nas almas daqueles três jovens frustrados na tentativa de chamar a atenção, mas satisfeitos por serem eventuais protagonistas de um gozo conjunto na noite anterior. Tudo pareceria tão divertido e alucinante para todos eles. Os jovens - de maneira quase uniforme - se sentem, até uma certa idade, onipotentes. São constantemente atraídos pelo perigo, mas absorvem - ao máximo - toda a adrenalina que a situação puder lhes oferecer. E desta vez, a adrenalina foi dada por (...) vocês já sabem quem. Agora estão todos juntos à cata das soluções para os questionamentos enigmáticos que nascem a cada retorno do intervalo comercial.
As repostas, meus caros, serão encontradas - exatamente como acontece nos acidentes aéreos - na caixa preta. Cada um tem a sua em seu lar. Basta agora que façamos uma regressão no tempo e encontremos - nos mínimos detalhes de cada flash ao vivo - o verdadeiro estopim da nova novela brasileira.
Está feito. Peço desculpas pela minha ignorância, pois não assisti aos comentários do Faustão, da Ana Maria e dos outros congêneres que fazem parte deste show. Mas agora, enquanto todos (ou quase todos) buscam respostas para entender a tragédia, eu - no auge do meu sono - descansarei em paz nos sonhos dos inocentes, onde - em repouso - também descansa mais uma vítima desta mídia surda e cruel.
RF
Como uma exceção à regra, eu não tenho a menor vontade de atirar pedras no mais novo carrasco do povo brasileiro. Culpá-lo por quê? Culpo, sim, à mídia com a sua mania insaciável de construir heróis e vilões no nosso fantasiado imaginário social. Já estava demorando a aparecer um "atrativo" à altura do caso Nardoni - referência ao bárbaro assassinato cometido à menina Isabela Nardoni no mês de março deste ano, em São Paulo. Eis que ele chegou e, desta vez, com uma novidade: aconteceu tudo ao vivo, como num "reality show". Soube por amigos que até a loiríssima Ana Maria Braga - ao vivo - ajudou na tentativa de negociação com o seqüestrador, o jovem Lindemberg Alves.
A mídia expôs aos nossos olhos o "durante" e o "depois", mas permita-me - munido da minha exagerada mania de perseguição - perguntar: onde estava a mídia no "antes de tudo acontecer"? Ela, a mídia - leia-se jornais, revistas, programas de televisão e sites de notícias vinte e quatro horas por dia -, me é a principal culpada por tudo. Ela esteve presente em todo o momento. Aguçou a população: criou especulações, promoveu um verdadeiro circo e parecia vangloriar-se por incitar o culto à desgraça alheia que o brasileiro reza em todos os dias da sua vida. Mas ela esqueceu (esqueceu?) que ali, naquele apartamento fechado e - momentaneamente - mais atraente que uma "espiadinha" no adormecido BBB, também havia uma tevê. A mesma tevê que, sob os olhares agitados do jovem seqüestrador, criou o clima de tensão que o levou a apertar o gatilho contra as suas vítimas. E se a notoriedade alcançada pelo menino (ex-namorado da menina, incompreendido pelo mundo e sofredor) não atingisse tamanha dimensão? E se a polícia - despreparada ao extremo - não vendesse as informações e não cedesse tanto espaço? Acredito que aquela porta seria reaberta na manhã seguinte com a serenidade presente nas almas daqueles três jovens frustrados na tentativa de chamar a atenção, mas satisfeitos por serem eventuais protagonistas de um gozo conjunto na noite anterior. Tudo pareceria tão divertido e alucinante para todos eles. Os jovens - de maneira quase uniforme - se sentem, até uma certa idade, onipotentes. São constantemente atraídos pelo perigo, mas absorvem - ao máximo - toda a adrenalina que a situação puder lhes oferecer. E desta vez, a adrenalina foi dada por (...) vocês já sabem quem. Agora estão todos juntos à cata das soluções para os questionamentos enigmáticos que nascem a cada retorno do intervalo comercial.
As repostas, meus caros, serão encontradas - exatamente como acontece nos acidentes aéreos - na caixa preta. Cada um tem a sua em seu lar. Basta agora que façamos uma regressão no tempo e encontremos - nos mínimos detalhes de cada flash ao vivo - o verdadeiro estopim da nova novela brasileira.
Está feito. Peço desculpas pela minha ignorância, pois não assisti aos comentários do Faustão, da Ana Maria e dos outros congêneres que fazem parte deste show. Mas agora, enquanto todos (ou quase todos) buscam respostas para entender a tragédia, eu - no auge do meu sono - descansarei em paz nos sonhos dos inocentes, onde - em repouso - também descansa mais uma vítima desta mídia surda e cruel.
RF
Comentários
Lindemberg - eu acredito que ele não é normal, embora hoje em dia seja difícil definir "normal".
Eloah - o péssimo exemplo que a nova geração de meninas vêm transmitindo. Namorar aos 12 anos (para mim, idade mais que infantil)com um cara de 19 anos. Espero que o desfecho não tenha sido só trágico, mas tenha sido moralizador. (PAIS, SALVEM SUAS FILHAS!)
Mídia - Todas as palavras de crítica são ínfimas diante da enorme sagacidade midiática. Mas isso não é de agora, sempre foi assim. (VIDE O PAGADOR DE PROMESSAS)
A polícia - altamente despreparada. Talvez eles tenham dado o seu melhor, embora este seja pouco para alguns casos. Sem dúvida, a mídia atrapalhou muito. Se fosse no país dos yankes, com certeza Lindemberg não estaria mais entre nós.
Texto excelente!
É de pessoas com pensamentos similares aos seus, os nossos, que o Brasil precisa.
concordo com tudo que foi dito por vc.
Essas novelinhas geradas pela mídia ocupam 1 semana toda com noticias e apelos, mas e depois?
muitas das vzs, não dá em nada. Pois protagosnistas dessas "novelinhas" são geralmente de classe média, e a impunidade no Brasil é descaradamente vista; ou simplesmente são esquecidos...
Como os nardoni.
Pra mim isso se chama Hipocrisia!
Adorei o texto!
parabéns mais uma vez!