Era para ser um diálogo típico da high society. Mas o que vi naquela tarde de uma data qualquer foi, na verdade, uma conversa informal com um quê de formalidade que me aproximava e me mantinha atento a tudo o que era dito ali.
Bom, tudo aconteceu por volta das treze horas. Como de costume, a temperatura da minha cidade natal estava nas alturas – mesmo em pleno inverno – e o calor era inevitável. A intensa movimentação e a celeuma eram comuns em todos os dias naquele badalado shopping center. Encontrar um lugar para sentar-me foi, por dois minutos, meu maior desafio. Até que, ao olhar com mais precisão, percebi que havia dois lugares – cada cadeira em uma mesa – e que ali se encontrava um aparente casal. Aproximei-me e, educadamente, perguntei se aqueles lugares estavam vagos – desejava o outro lugar para o meu pai, que estava ainda na fila do restaurante a esperar o rango -, responderam-me que sim e isso foi o suficiente para sentar-me – agora com todo o cuidado e cerimônia.
Ambos aparentavam estar em horário de almoço; a típica pausa do horário comercial de trabalho. Ela, obstante ao forte calor, estava com dois dos botões da blusa abertos – involuntariamente a mostrar o bem definido decote - e com os longos cabelos castanhos presos à altura da nuca; ele ainda conservava o aspecto bem trajado que a sua profissão exige – paletó e gravata ainda ilesos.
O desconforto que a situação me impunha não fazia com que os meus ouvidos fossem omissos e então, deixando-me levar pela conversa, dei aos meus olhos a liberdade de observar – inconscientemente – a tudo ao redor e passei a escutar todo o papo daqueles que seriam as testemunhas do tédio que se impregna quando se está com fome.
Vale adiantar que eles eram desconhecidos. A conversa certamente já havia se iniciado bem antes da minha chegada, mas para não matá-los de curiosidade, vamos a ela:
- “...você viu ontem, na TV? Fizeram uma matéria com os meninos de rua do centro da cidade”, dizia ela.
- Não, não vi; o que foi que teve? - Perguntou ele, curioso.
- Mostraram as condições de pobreza e descaso em que vivem crianças e adolescentes nas sinaleiras a pedir esmolas. Morri de pena. Aquilo me comove; tenho vontade de ajudar a todos.
-Sei (sic)... Eu também sou assim. Não consigo ver ninguém em necessidade extrema na rua que não resisto e abro logo a carteira. Por sinal, sirvo sopa em todas as noites de quintas-feiras na periferia...
E assim a conversa ia ganhando cada vez mais um tom acentuado de filantropia. Aquela rara demonstração de amor ao próximo continuava a se desenrolar, até que o meu pai chegou. Enfim os meus olhos tiveram de volta a sua função e o apetite era dividido com a atenção que dava ao discurso humano daqueles dois interlocutores. A conversa prosseguia, agora com outra finalidade:
- ...sou recepcionista, trabalho naquela clínica ali da esquina.
- Veja então se o seu patrão tem interesse: sou empresário e trabalho na área do turismo. A minha empresa concede financiamentos para viagens de férias. Porque você sabe, por mais que um trabalhador que ganha um salário mínimo guarde dinheiro, as despesas com uma viagem são ainda muito caras e ele então acaba optando por não sair da cidade e, conseqüentemente, o seu retorno ao trabalho não será dos melhores (...).
(...) Esse estresse pode ser evitado, pois temos planos em que se pode começar a pagar valores irrisórios já no começo do ano (descontados em folha) para uma eventual viagem em dezembro – dizia ele.
- Ah, acredito que ele irá gostar sim. Vou falar com ele e depois posso te dizer – prometia ela.
- Bom, meu número é.... me dá o seu... Ok! Combinado então! – finalizava o homem, ao limpar os dentes.
Enquanto essas palavras eram proferidas, olhei para os pratos deles e percebi que estavam vazios – seria o fim de quinze minutos de muito aprendizado. Acertaram-se e, com um leve aperto de mãos, despediram-se.
O tempo que ambos levaram a se levantar foi dez vezes maior na minha cabeça. Passou-me um turbilhão de informações e perguntas naquele momento; como poderia haver tanto amor? Como seria possível que pessoas tão comuns pudessem, coincidentemente, sentar-se uma ao lado da outra e expirar tamanha caridade de forma tão espontânea? As minhas dúvidas já não podiam ser respondidas, pois agora já se encontravam de pé, prontos para partir – um em cada direção.
Precisava entender tudo o que acabava de presenciar. Encontrei uma única resposta, finalmente! Percebi que ele foi o segundo a sentar-se na mesa. E porque percebi isso? Porque não foi nada discreto o olhar faminto que ele deu nas nádegas daquela “pobre” e “ingênua” moça.
RF
Bom, tudo aconteceu por volta das treze horas. Como de costume, a temperatura da minha cidade natal estava nas alturas – mesmo em pleno inverno – e o calor era inevitável. A intensa movimentação e a celeuma eram comuns em todos os dias naquele badalado shopping center. Encontrar um lugar para sentar-me foi, por dois minutos, meu maior desafio. Até que, ao olhar com mais precisão, percebi que havia dois lugares – cada cadeira em uma mesa – e que ali se encontrava um aparente casal. Aproximei-me e, educadamente, perguntei se aqueles lugares estavam vagos – desejava o outro lugar para o meu pai, que estava ainda na fila do restaurante a esperar o rango -, responderam-me que sim e isso foi o suficiente para sentar-me – agora com todo o cuidado e cerimônia.
Ambos aparentavam estar em horário de almoço; a típica pausa do horário comercial de trabalho. Ela, obstante ao forte calor, estava com dois dos botões da blusa abertos – involuntariamente a mostrar o bem definido decote - e com os longos cabelos castanhos presos à altura da nuca; ele ainda conservava o aspecto bem trajado que a sua profissão exige – paletó e gravata ainda ilesos.
O desconforto que a situação me impunha não fazia com que os meus ouvidos fossem omissos e então, deixando-me levar pela conversa, dei aos meus olhos a liberdade de observar – inconscientemente – a tudo ao redor e passei a escutar todo o papo daqueles que seriam as testemunhas do tédio que se impregna quando se está com fome.
Vale adiantar que eles eram desconhecidos. A conversa certamente já havia se iniciado bem antes da minha chegada, mas para não matá-los de curiosidade, vamos a ela:
- “...você viu ontem, na TV? Fizeram uma matéria com os meninos de rua do centro da cidade”, dizia ela.
- Não, não vi; o que foi que teve? - Perguntou ele, curioso.
- Mostraram as condições de pobreza e descaso em que vivem crianças e adolescentes nas sinaleiras a pedir esmolas. Morri de pena. Aquilo me comove; tenho vontade de ajudar a todos.
-Sei (sic)... Eu também sou assim. Não consigo ver ninguém em necessidade extrema na rua que não resisto e abro logo a carteira. Por sinal, sirvo sopa em todas as noites de quintas-feiras na periferia...
E assim a conversa ia ganhando cada vez mais um tom acentuado de filantropia. Aquela rara demonstração de amor ao próximo continuava a se desenrolar, até que o meu pai chegou. Enfim os meus olhos tiveram de volta a sua função e o apetite era dividido com a atenção que dava ao discurso humano daqueles dois interlocutores. A conversa prosseguia, agora com outra finalidade:
- ...sou recepcionista, trabalho naquela clínica ali da esquina.
- Veja então se o seu patrão tem interesse: sou empresário e trabalho na área do turismo. A minha empresa concede financiamentos para viagens de férias. Porque você sabe, por mais que um trabalhador que ganha um salário mínimo guarde dinheiro, as despesas com uma viagem são ainda muito caras e ele então acaba optando por não sair da cidade e, conseqüentemente, o seu retorno ao trabalho não será dos melhores (...).
(...) Esse estresse pode ser evitado, pois temos planos em que se pode começar a pagar valores irrisórios já no começo do ano (descontados em folha) para uma eventual viagem em dezembro – dizia ele.
- Ah, acredito que ele irá gostar sim. Vou falar com ele e depois posso te dizer – prometia ela.
- Bom, meu número é.... me dá o seu... Ok! Combinado então! – finalizava o homem, ao limpar os dentes.
Enquanto essas palavras eram proferidas, olhei para os pratos deles e percebi que estavam vazios – seria o fim de quinze minutos de muito aprendizado. Acertaram-se e, com um leve aperto de mãos, despediram-se.
O tempo que ambos levaram a se levantar foi dez vezes maior na minha cabeça. Passou-me um turbilhão de informações e perguntas naquele momento; como poderia haver tanto amor? Como seria possível que pessoas tão comuns pudessem, coincidentemente, sentar-se uma ao lado da outra e expirar tamanha caridade de forma tão espontânea? As minhas dúvidas já não podiam ser respondidas, pois agora já se encontravam de pé, prontos para partir – um em cada direção.
Precisava entender tudo o que acabava de presenciar. Encontrei uma única resposta, finalmente! Percebi que ele foi o segundo a sentar-se na mesa. E porque percebi isso? Porque não foi nada discreto o olhar faminto que ele deu nas nádegas daquela “pobre” e “ingênua” moça.
RF
Comentários
UM ABRAÇO
Ta duvidando da capacidade do rapaz é tiago.Rsrs